Publicado no número 7 da revista Política Operária, Novembro e Dezembro de 1986: "Francisco Martins Rodrigues - Notas sobre Stalin"
"11. Staline — a transição
A explosão de terror dos anos 30 na União Soviética não foi a loucura sanguinária dos comunistas entredevorando-se na disputa do poder que nos pinta a propaganda burguesa; nem um desvio acidental (e incompreensível) na marcha do socialismo, como nos tentam convencer os revisionistas modernos; muito menos um exemplo positivo de justiça proletária, como defende aberrantemente a chamada corrente marxista-leninista.
Os processos de Moscovo surgem-nos como o culminar de uma convulsão revolucionária que se desenvolveu na URSS na passagem dos anos 20 para os anos 30. Convulsão revolucionária burguesa nascida sobre o estrangulamento da revolução proletária e do poder dos sovietes. Fechado o caminho para o socialismo pela fraqueza do proletariado e pela vitalidade da pequena burguesia (e também pela ausência de revoluções proletárias na Europa, ainda em fase embrionária), os bolcheviques encontraram-se numa terra de ninguém. Já não podiam refazer a ditadura do proletariado e queriam impedir a restauração da ditadura da burguesia.
A contradição essencial do stalinismo resume-se nessa sua situação intermédia: depois de ter feito demasiadas concessões à pequena burguesia durante a NEP e de ter feito perder ao partido o carácter de vanguarda revolucionária do proletariado, Staline tentou liquidar a pequena burguesia e assegurar a passagem ao socialismo à custa de uma concentração inaudita de poderes. Assim paralisou todas as potencialidades revolucionárias do proletariado e reforçou o campo para o renascimento da burguesia.
Quanto mais se afiavam as armas defensivas do Estado “socialista”, mais ele se ia destacando como um poder acima da sociedade, mais se transformava numa armadura sob cuja protecção medrava de novo a burguesia, metamorfoseada em comunista. A pequena burguesia, perseguida e exterminada em 1930, renascia das cinzas sob a forma dos directores e quadros vermelhos.
O poder de aço que tomou sobre si a tarefa de dar o socialismo ao povo, como se pairasse acima das classes, acabou por servir de berço a uma nova e imprevista burguesia de Estado sob cores socialistas.
Staline foi o ideólogo e condutor político dessa dolorosa transição da Rússia soviética e internacionalista de 1920 para a URSS capitalista e social-imperialista dos anos 50. Como representante de um período transitório, contraditório, era-lhe impossível compreender o conteúdo de classe da transformação que liderava. Reprimia indiscriminadamente kulaks, quadros, operários, dirigentes do partido, para manter o rumo em direcção ao que considerava ser a meta socialista — uma economia nacionalizada. Lutava contra a esquerda e contra a direita, buscando desesperadamente a passagem de saída para a sociedade sem classes. Mas ao fim do túnel encontrava-se de novo a burguesia.
A ideologia stalinista retrata esta natureza social dupla e contraditória do grupo dirigente bolchevique nos anos 30. A sua face crítica, feita com restos de marxismo, combina-se com uma face conservadora, defensora dos privilégios da hierarquia, amparada a um nacionalismo renascente."
"O terrível Stalin":
(Diário de Notícias entrevista a Albano Nunes, 5 de Novembro de 2017)
"Diário de Notícias: Acha que o "inimigo externo" justificou esse autoritarismo interno?
Albano Nunes: Não, o que digo é que o desenvolvimento de fenómenos negativos na União Soviética e noutros países socialistas, o desenvolvimento de fenómenos de desnascença, certos erros muito graves, o afrontamento mesmo da própria legalidade do partido e da própria legalidade socialista, e mesmo crimes que existiram, têm que ser vistos neste contexto, não para os justificar mas para os compreender. Há muito isto de escrever a história da revolução de Outubro e da União Soviética como uma sucessão de erros de faltas, de fracassos e de crimes. Existiram sem dúvida, nós não discutimos, não nos pomos a discutir se foram dois milhões se foram dez, se foram 20. Não nos pomos a discutir no detalhe o que aconteceu efetivamente: o que foram na Sibéria prisões efetivas de delito comum, o que foram campos de trabalho e o que foram prisões onde sofreram inclusivamente comunistas dedicados. Nós não entramos na discussão desses números, isso é para os nosso adversários.
Diário de Notícias: Não é importante para a História?
Albano Nunes: Sem dúvida que é importante para a História mas a História tem que ser escrita em todos os seus aspetos. Estaline - a quem são atribuídos com razão erros, elementos de culto da personalidade e abusos em relação ao poder, infrações à legalidade socialista - não tem só aspetos negativos, tem aspetos positivos: leia-se o que disseram os dirigentes, mesmo dos países capitalistas da altura. Nós reconhecemos este problema, nós não nos alegramos com isso e reconhecemos particularmente na viragem dos anos 80 quando fizemos o nosso XIII congresso extraordinário [em maio de 1990] e depois no XIV e no XVIII reconhecemos que efetivamente houve no desenvolvimento da União Soviética o afastamento dos ideais e dos valores do socialismo em aspetos fundamentais, no plano político, económico, ideológico, no próprio funcionamento do Estado. Houve um afastamento das massas populares que pôs em causa todo o processo porque foi essa profunda ligação às massas populares, à classe operária, que permitiu justamente a Lenine e ao partido bolchevique dirigir em condições extremamente difíceis todo o processo revolucionário da velha Rússia e esse é o alfa e ómega da política dos comunistas."
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