Nem todos são contra Putin.
Embora o ocidente se tenha mobilizado em grande parte no apoio à Ucrânia, comprometendo-se a fazer o que for preciso para ajudar a afastar as tropas russas, muitos no sul Global têm uma visão bastante diferente.
É claro que o sul Global é muito vasto. As atitudes face à guerra devastadora - agora no seu 14º mês - variam consideravelmente na América Latina, África, Ásia e Oceânia.
Contudo, sondagens de opinião em lugares como a China, Índia e Turquia mostram uma clara preferência pelo fim da guerra agora - mesmo que isso signifique que a Ucrânia tenha de desistir de parte do seu território.
"Se se tirar a fotografia global, o apoio à luta da Ucrânia e do Ocidente contra a Rússia não é completamente sólido - muito longe disso", disse Paul Rogers, Professor de Segurança Internacional na Universidade de Bradford.
"Antiamericanismo''
Paul Rogers diz que, no Médio Oriente, as intervenções militares passadas dos EUA e dos seus aliados criaram um clima de cinismo em relação às ações do ocidente na Ucrânia.
Contudo, em vez de se traduzir num apoio à Rússia, que "poucos países têm a nível de liderança ou público", Rogers diz que os combates são vistos mais como uma "duas pragas".
"Não é simplesmente visto como os bons do ocidente contra os maus da Rússia", disse ele à Euronews.
"Há questões em que [a invasão de Moscovo] não é diferente do que os países ocidentais têm feito".
Mais de 929.000 pessoas foram mortas em zonas de guerra após o 11 de setembro em todo o Afeganistão, Iraque, Síria e outros lugares onde as forças armadas ocidentais desempenharam um papel significativo na violência catastrófica.
Especialistas estimam que o número de mortes provavelmente se multiplica várias vezes devido aos efeitos reverberantes da guerra.
"Memórias do colonialismo"
Questões mais profundas e históricas também têm impacto na forma como a guerra da Ucrânia é vista noutros lugares.
"Em grande parte do sul Global, particularmente na África Subsaariana, a Rússia não é vista como uma das grandes potências coloniais que as controlou durante séculos", ao contrário de outras potências europeias, explicou Rogers.
Ainda assim, diz: "Grande parte do mundo simplesmente não está consciente da extensão do comércio de armas, do poder e, francamente, da corrupção que há na Rússia".
Embora o legado colonial não crie um sentimento pró-russo - com a maioria das pessoas perfeitamente conscientes de como a guerra tem sido "dolorosa" para os ucranianos - Rogers sugeriu que isso significava que havia "menos simpatia pela posição ocidental".
O legado do colonialismo é altamente controverso. Os críticos apontam as atrocidades incalculáveis, racismo e exploração cometidos pelos europeus em todo o mundo, enquanto os defensores afirmam que a presença europeia trouxe desenvolvimento económico e político.
Muitos afirmam que o controlo da Rússia sobre partes da Ásia Central e da Europa de Leste, incluindo a Ucrânia, sob a URSS, equivaleu ao colonialismo.
"A Rússia tem uma boa base geopolítica".
Mas o sul Global não está apenas a pensar com o coração, está também a usar a cabeça.
Embora não tanto como a China, Rússia forjou fortes laços económicos e parcerias estratégicas em grande parte do mundo nas últimas décadas.
"Os laços comerciais são importantes", disse Ivan Kłyszcz, um analista da política externoa russa. "Países como o Brasil e a Índia estão a investir em boas relações com a Rússia porque acreditam que isso irá ajudar as suas próprias agendas internacionais".
A opinião global está muito dividida quando se trata de aplicar sanções à Rússia. Em média, 45% apoiam a ideia de que o seu país deveria aplicar as sanções económicas mais rigorosas contra a Rússia, enquanto 25% se opõem a isso, de acordo com uma sondagem da IPSOS.
Muitos Estados têm-se abstido de votar resoluções da ONU que condenam Moscovo, apelando, em vez disso, a negociações.
Em outubro, a Coreia do Norte, Bielorrússia, Síria e Nicarágua votaram contra uma moção instando a Rússia a reverter imediatamente a sua anexação ilegal de quatro regiões ucranianas, enquanto 19 países africanos se abstiveram - incluindo a África do Sul - juntamente com a China, Índia, Paquistão e Cuba.
"O sul Global é impulsionado por um sentimento de urgência para que as hostilidades terminem... pelo menos não há combates e o comércio pode retomar como há um ano atrás", disse Kłyszcz à Euronews. "É uma realidade infeliz, e a guerra é contra os interesses destes países".
"Eles estão a cuidar da sua própria segurança".
As pessoas comuns em África e no Médio Oriente têm sido fortemente afetadas pelo aumento dos preços dos alimentos, que atingiram níveis recorde em 2022 devido à guerra na Ucrânia e às alterações climáticas induzidas pela seca.
Embora sentido em todo o mundo, isto desencadeou uma crise global de segurança alimentar, empurrando milhões para a beira da fome.
Segundo Kłyszcz, a influência da Rússia é auxiliada por um "aparelho de comunicação muito sofisticado que ajuda a transmitir propaganda de guerra", enquanto "muitos países simplesmente não conhecem muito bem a Ucrânia".
Ao mesmo tempo, narrativas que apoiam a luta da Ucrânia contra a Rússia - sejam elas "democracia versus autocracia", "direitos humanos" ou "anti-imperialismo" - não têm sido "capazes de mover a opinião pública assim tanto, fora do ocidente", acrescentou.
"Coisas como segurança alimentar ou energética torna muito difícil fazer as pessoas mudarem de opinião, porque a segurança da sua sociedade depende delas".
Apesar de representar a maior parte da humanidade, Rogers sugere que as opiniões do sul Global em relação à Ucrânia foram largamente marginalizadas nos "principais meios de comunicação social".
"Os ocidentais estão muito concentrados no mundo ocidental. Não têem uma grande preocupação com opiniões diferentes", continuou, concluindo: "Estas são as grandes questões".
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