Texto de Miguel Marujo
Edgar Silva, anteontem apresentado como
candidato à Presidência da República (foto reproduzida daqui,
onde também se pode ler um outro texto sobre Edgar Silva)
Era um jovem padre madeirense quando no final de 1991, com 29 anos, regressou a Lisboa, onde tinha estudado no Seminário dos Olivais e na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, para ser assistente nacional do Movimento Católico de Estudantes (MCE). Edgar Silva tinha à sua espera uma residência para padres, ao Rato, mas pouco tempo depois as suas convicções levaram-no a ir viver para uma barraca, sem luz, num dos bairros de lata que ainda existiam em Lisboa, o da Curraleira.
O nome ontem [quinta-feira] anunciado por Jerónimo de Sousa como candidato do PCP à Presidência da República foi sempre discreto nas suas opções (como ir viver para o bairro da lata), que explicava com a “radicalidade” da “opção preferencial pelos pobres” de Jesus, mas que nem sempre agradava ao episcopado português.
Ainda na Madeira, sem crucifixos no bolso ou ao peito, Edgar Silva – que nasceu no Funchal em 25 de setembro de 1962 – trabalhou com os “miúdos das caixinhas”, rapazes e raparigas de famílias muito pobres, que andavam pelo centro do Funchal a pedir dinheiro aos turistas. Muitos e muitas também se prostituíam.
Edgar trabalhou com eles, esteve na fundação do MAC – Movimento de Apoio à Criança, na ilha, e da Escola Aberta, um projeto escolar para os miúdos da rua na zona mais alta do Funchal, e esteve na primeira linha de denúncia de casos de exploração sexual de menores. Por causa destas causas, o então presidente do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, mas também o anterior bispo do Funchal, Teodoro de Faria, nunca simpatizaram com o “padre Edgar”, como lhe chamava (em tom depreciativo) Jardim.
A simpatia era recíproca. Em agosto de 1992, a dois meses das eleições regionais, Edgar e outros jovens padres da Madeira subscreveram um manifesto “Mais democracia, melhor democracia”, levando Jardim aos habituais insultos que reservava para os seus adversários. Três anos depois, esse grupo de presbíteros agitaria de novo a política regional com outro manifesto com o título “O futuro pertence à democracia”. Para estes padres, “no exercício do poder político, ao lado da necessária competência e eficiência, é fundamental a superação de certas tentações, tais como o recurso à deslealdade e à mentira, o desperdício do dinheiro público em vantagem de uns poucos e com miras de clientela”.
O regresso à Madeira já tinha acontecido em 1994, depois de deixar o MCE em setembro de 1993. Ao incómodo sentido pelo seu estilo de vida, os bispos chocaram com um documento sobre moral sexual aprovado pelos estudantes católicos, em que se questionava o discurso oficial da Igreja sobre contraceção ou homossexualidade. Na sua ilha, Edgar Silva não foi o filho pródigo que os responsáveis eclesiásticos esperariam, acabando por aceitar o desafio de outro padre, Mário Tavares, que era deputado do PCP, e juntando-se em 1996 como independente às listas da CDU. Desvinculou-se do “exercício do ministério sacerdotal” em 1997. Hoje, quase 20 anos depois, já é militante do partido, é membro do Comité Central e tem resistido como deputado regional. E chegou agora ao palco da política nacional.
Edgar Silva sempre defendeu que “a política não é um fim”. Por estes dias, até janeiro de 2016, terá ocasião de fazer um dos seus brindes preferidos, que muitos amigos replicam. “À liberdade, que é sempre pouca.”
(Texto publicado no DN de dia 9 de Outubro)
Sem comentários:
Enviar um comentário