quinta-feira, 10 de março de 2016

GUERRILHA FEMININA

«Curdistão: A guerrilha feminista que combate o Estado Islâmico

Publicado em Quarta, 22 Outubro 2014 01:07

Curdistám - La Haine - [Francisco Claramunt, tradução do Diário Liberdade] Aponta na mira do fuzil e aperta o gatilho. O rio vermelho que abre a cabeça do homem tem a cor dos sofrimentos de uma opressão milenar.

Em um mundo de tradições áridas e desertos de intolerância, o preço de ser uma mulher livre é pago na pontaria.

Na altura de se publicar este texto, na fronteira síria com a Turquia, a cidade curda de Kobanê é sitiada pelo Estado Islâmico. Espera-se de uma hora para outra sua queda.

Mais de 130 mil habitantes de Kobanê fugiram para a Turquia nos últimos dias. Os fuzis e granadas das YPG (Unidades de Defesa Popular curdas) que controlam a cidade parecem insuficientes em frente aos tanques e a artilharia pesada dos jihadistas.

As forças curdas contam no entanto com uma arma singular e poderosa: em suas unidades militares participam milhares de mulheres -formando inclusive batalhões inteiramente femininos- o que inspira terror ao Estado Islâmico.

Dois objetivos. "Não duvidamos em fazer a guerra aos comunistas apóstatas do PKK/YPG", orgulhou-se o Estado Islâmico no número 2 de sua publicação mensal Dabiq, ao resenhar os seus confrontos com a guerrilha curda. Precisamente, o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e as YPG são as forças que nos últimos meses se mostraram mais eficazes -junto às tropas do governo autônomo curdo de Erbil- no combate contra os islamistas.

Os curdos são um povo de 40 milhões de pessoas originários da área montanhosa que se estende pelo sul e este da Turquia, o norte da Síria e Iraque e o nordeste do Irã. É tido pela maior nação sem Estado da época atual.

Os "secularistas" e "apóstatas" que lutam contra o Estado Islâmico estão organizados em partidos políticos de caráter laico e forte caráter nacionalista. O PKK é maioritário entre os curdos da Turquia, uns 20 milhões de pessoas. As YPG são seu braço na Síria.

Ambas organizações dizem ter como objetivos o autodeterminação curda e a construção de uma sociedade comunitária e socialista. Ambas têm o pecaminoso descaramento de incluírem mulheres em suas guerrilhas, seus postos de direção e governos locais.

As curdas brigam pela libertação nacional e ao mesmo tempo, pelos direitos da mulher", disse a SdR Mehmet Dogan, cineasta e antropólogo curdo. De acordo a Dogan, por volta de metade dos efetivos curdos na Síria são mulheres.

A arcaizante interpretação do Islã que faz o Estado Islâmico não só é sua motivação principal para a batalha. Também é a fonte de seus maiores temores. Os seus guerreiros motivam-se com a promessa de que, se caírem em combate, serão esperados no Paraíso por inúmeras virgens, mas a promessa corânica pode ser transformada em condenação eterna: os homens do Estado Islâmico estão convencidos de que morrerem a mãos de uma mulher é uma desonra que enviará sua alma para o Inferno.

Novos tempos. A participação das curdas na guerrilha remonta à década de 60, mas as suas maiores conquistas verificaram-se a partir de 1998. Nesse ano, o PKK redefiniu a sua estratégia e abandonou a sua definição marxista-leninista clássica, para adotar a bandeira do "confederalismo democrático". Dogan assinalou que, graças à pressão das mulheres nas bases do partido, se adotou uma linha que atribui ao feminismo posto de destaque junto ao socialismo e ao ecologismo.

Em todas as organizações da órbita do PKK, a presidência é compartilhada por duas pessoas, um homem e uma mulher. As milícias curdas também aplicam este princípio de copresidência no governo das cidades que controlam em Rojava -zona curda de Síria- como Kobanê, Serêkanîye e Efrîn.

Neste ano, a coalizão de esquerda que integram os grupos afins à guerrilha curda conseguiu 10% dos votos nas eleições locais da Turquia. 55,3% das integrantes de suas listas eram mulheres. Toda uma revolução em um país de longa tradição patriarcal, onde a participação feminina no resto dos partidos político é quase nula.

Outros papéis. Vendidas como escravas sexuais: esse foi o destino de umas 300 mulheres yazidís (uma religião minoritária do norte do Iraque) sequestradas no mês passado pelo Estado Islâmico, de acordo ao Observatório Sírio de Direitos Humanos. Um relatório recente da BBC eleva até três mil o número das mulheres sequestradas e vendidas.

Em julho, o Estado Islâmico ordenou que todas as crianças e mulheres entre 11 e 46 anos nos territórios sob o seu domínio se submetam à ablação genital, segundo denunciou a ONU. Esta prática consiste na mutilação do clítoris e é pouco frequente na zona, mas o Estado Islâmico acha que terminará com a "libertinagem e a imoralidade", segundo um comunicado da organização jihadista.

Não só os curdos recrutam mulheres para suas fileiras. O Estado Islâmico também o faz. Mas neste caso "são mulheres que se dedicam a reprimir outras mulheres", assinalou Manuel Martorell, jornalista espanhol especializado no Médio Oriente e Curdistão. Em conversa com SdR, Martorell indicou que o Estado Islâmico tem a sua própria "polícia" feminina para obrigar as mulheres a cumprirem as estritas normas islâmicas.

Para Martorell, a das mulheres curdas "é uma intervenção radicalmente oposta" à das seguidoras do Estado Islâmico. Em uma sociedade onde a opressão sobre a mulher adquiriu historicamente formas extremas, as mulheres curdas tiveram que percorrer um longo caminho para terem consideração análoga à dos homens. Não parecem dispostas a retroceder nesse caminho.»

Fonte: Diário Liberdade

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