Venezuela ou a Arábia Saudita das Caraíbas
07/08/2017
Tiago Mota Saraiva
Não pretendo mudar a opinião do leitor sobre a situação na Venezuela nem transformá-lo num irredutível apoiante de Maduro – que não sou –, mas parece-me saudável que se instale uma leitura mais crítica da informação que nos chega.
Em Portugal, a cobertura mediática da crise que aquele país atravessa mete-me medo. Quem duvida é apontado a dedo como apoiante de uma ditadura, a mentira é aceite como libertadora e a opinião é expressa como facto. A cultura hegemónica e acrítica que tem vindo a instalar-se está a ter uma expressão particularmente radicalizada nos temas venezuelanos, ridicularizando e ostracizando todos os que não repetem os seus dogmas.
Temos de ultrapassar a inocência de se discutir a “expulsão” dos Guevaras de Carnaxide que não acautelaram o pedido de visto de jornalista e que procuram fazer crer que Maduro teria particular receio da entrada de repórteres de uma específica televisão portuguesa para começar a exigir factos.
Deve ser denunciado que a maior parte das imagens de violência que ilustraram textos sobre a repressão de Maduro no dia da eleição da Assembleia Constituinte eram relativas à explosão de uma bomba colocada pela oposição aquando da passagem de uma coluna militar. Deve ser escrito que Leopoldo López é um político de extrema-direita pertencente à organização Tradición, Familia y Propriedad, acusado e condenado por várias ações violentas e mortes – identificá-lo como preso político é como fazê-lo em relação a Mário Machado. Deve ser lembrado que a oposição está fortemente treinada e armada e que tem provocado muito mais mortes do que as ações policiais.
A Venezuela não era uma ditadura e os rostos que aparecem à frente da oposição não querem uma democracia. Nem uma ditadura promove 20 atos eleitorais nacionais (1998-2015), “deixando” a oposição vencer por duas vezes, nem os líderes da oposição chegaram arautos de uma nova política – são os mesmos que tentaram o golpe de Estado (2002) e que vão apontando como referenciais os regimes de Pinochet e Uribe.
A guerra é o terreno da vitória certa de Capriles e López. Evitá-la é um bom ponto de partida. Aproveitar e potenciar as organizações populares que apoiaram Chávez, colocando-as a construir um caminho de paz e de base progressista, provavelmente sem Maduro, parece-me ser a única alternativa para que a Venezuela não volte a ser a Arábia Saudita das Caraíbas.
Escreve à segunda-feira
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