terça-feira, 21 de janeiro de 2020

E SE ISABEL DOS SANTOS FOSSE INGLESA?

Ainda hoje sou um fascinado pelo circo. Desde o tempo dos Cardinali, dos Luftman que gosto de palhaços e de ilusionistas. Rio-me sempre das velhas piadas dos palhaços, dos estalos fingidos com um bater de palmas e sempre quis perceber os truques. Conheço o princípio do ilusionismo: fazer o espetador olhar para o dedo enquanto o ilusionista esconde ou faz aparecer o coelho, mas agora esforço-me para ver para além da ponta do dedo. Sintoma de velhice. Continuam, no entanto, a fascinar-me os crentes e os ilusionistas que os levam à certa.

No circo, em crianças, pagamos para ser iludidos, em velhos, encoirados, pagamos para ver os outros a serem iludidos.

Reflexões sobre as palhaçadas e os truques de algibeira a propósito da questão da fortuna de Isabel dos Santos. Música de serrote. Não há nenhuma dúvida sobre a sua origem e forma de construção desde Novembro de 1975, de Maio de 1977, desde os acordos de paz com os sul-africanos, desde a morte de Agostinho Neto, da morte de Savimbi e do apoio dos EUA ao MPLA de José dos Santos. Escolham a data em que um grupo se organizou para vencer a guerra e enriquecer, que o método não depende da data, mas do desenvolvimento da manobra. Velha. Velhíssima. Uma operação de sucesso de um grupo que toma a cidade e se apropria dos despojos. Como tantas vezes aconteceu desde a antiguidade. Aborrece-me que me metam os dedos nos olhos da história.

Já agora: alguém quis saber aqui como foi construída a fortuna do senhor Gulbenkian, mecenas da pátria, quando ele se apresentou para se instalar no hotel Avis? E a dos Saud, os donos da Arábia Saudita, nossos amigos através dos nossos amigos americanos? E a dos antigos cameleiros do Médio Oriente, assaltantes de caravanas no Kwait, no golfo pérsico e no mar vermellho, que os ingleses promoveram a sultões e a xeques com contas milionárias e que hoje compram clubes de futebol, de basquete, estações de televisão, produtoras de filmes, companhias de aviação, senhoras loiras e meninos castanhos? E como nos entendemos com os oligarcas russos, com o Abramovitch do Chelsea, quase um compadre através de Mourinho? Perguntamos onde arranjou os trocos para investir? Temos na CPLP o impoluto dono da Guiné Equatorial. Ninguém que nos envergonhe, claro. Os franceses do Monsieur Afrique de De Gaulle, Jacques Foccart, tinham no bolso Houphouët Boigny, carinhosamente tratado por Le Vieux Papa da Costa do Marfim, que construiu uma basílica maior do que a de São Pedro em Roma, com a sua augusta figura nos vitrais e era dono de um país e do seu cacau! E os ingleses tiveram o Idi Amin! E os americanos o Mobutu! Já agora, temos militares nossos a apoiar um dos mais corruptos governos do planeta, no Afeganistão. O paraíso do ópio! Da heroína! Estamos nessa que é gente séria!

Posso imaginar o que está por detrás deste ataque ao grupo dos Santos em Angola. O costume. Surgiu um novo grupo local que procura aproveitar a redistribuição de poderes, influência e riqueza na África Equatorial. Ocorre pelo centro de África uma redistribuição de cartas e fichas que é visível a olho nu através das guerras no Congo Oriental. Guerras por procuração, claro. Angola faz parte da zona de disputa que envolve grandes empresas mineiras, de minerais raros, a mais rica zona mineira do mundo! É sobre o controlo dessa imensa riqueza que se trava a luta que envolve Isabel dos Santos!

Está a chegar a hora de uma nova geração de angolanos, muito qualificados e internacionalizados, que querem subir a montanha do poder. O grupo dos Santos, os velhos generais e as suas famílias, detinha demasiado poder. Havia e há que o minar, enfraquecer, dar-lhe dentadas. Estamos numa ação de hienas. Os velhos chefes estão a ser desafiados. É assim na natureza com os machos dominantes quando chega o seu tempo de decadência. A obra de Shakespeare também trata destas lutas pelo poder.

Quanto à algazarra em Portugal, numa sociedade de hímen tão complacente, o chinfrim só revela que há por aqui aproveitadores de restos e bastante ressabiamento colonial.

Parece-me claro que o grupo Impresa está de goelas abertas para apanhar umas sobras do Grupo Espírito Santo de Angola. A propósito não ouvi falar do Sobrinho.

A Ana Gomes, que não leu Shakespeare, nem Maquiavel, serve de animadora de pista, como de costume, desta vez dando a estridente voz a velhas dores pela perda do império português, branco, em África. O que ela diz, concedo que sem disso ter consciência, é que aqueles mil milhões da Isabel eram nossos, dos tugas, dos retornados. Angola era nossa, o petróleo era nosso, os diamantes eram nossos, o café era nosso. No fundo, o Luanda Leaks é uma versão do Angola é Nossa! A Ana Gomes está quase uma Supico Pinto!

O número que passa nos órgãos de comunicação de massa portugueses a propósito de Isabel dos Santos é, sem falsas hipocrisias, de raiz colonialista! Assenta numa visão colonialista: ainda somos responsáveis por aqueles territórios e por aqueles povos que civilizámos, aportuguesámos e cristianizámos! Até a Catarina Martins se atravessou nesta visão de Angola é nossa!

Não queremos saber do petróleo da Arábia Saudita, nem do gás da Rússia, nem dos telemóveis 5G da China, nem da venda de dados pessoais pelo Facebook, ou pela Google, o que nos motiva o instinto justiceiro é Angola, que é nossa!

Também era interessante perguntar à Ana Gomes com que negócios sérios foi construído o Convento de Mafra, e como foram construídas as fortunas das grandes figuras do liberalismo, os Costa Cabrais, os Braamcamp, os Caria, os Palmela entre outros que privatizaram em seu nome os bens das ordens religiosas… Nem o Convento de Cristo em Tomar escapou e passou a alojamento local do novo conde da cidade dos templários!

Nada de novo debaixo dos céus, exceto que Angola devia ser nossa, repito!

Lamento reconhecer, há pouco a fazer para contrariar estes velhos golpes em Angola e alterar esta velha mentalidade colonial em Portugal.

Entendo que os angolanos têm que fazer o seu caminho e que podem vir lavar o dinheiro aqui a Portugal, investir, comprar, vender. Porque não? Os ingleses fizeram-no durante séculos.

O desenvolvimento de uma opinião pública informada é um dos poucos antídotos, mas demora tempo e não é de fácil execução… Entretanto, olhemos para lá do dedo!

Sem comentários:

Enviar um comentário