sábado, 26 de junho de 2021

PENINSULA DA COREIA

Por "Pensar a História":

Por Rui Miguel Torres

Militares sul-coreanos se prepararam para executar prisioneiros políticos de um campo de concentração de Daejon, diante de uma vala repleta de corpos. A chacina de Daejon foi um dos chamados Massacres das Ligas Bodo — uma sequência de massacres e crimes de guerra perpetrados pelo governo da Coreia do Sul contra civis sul-coreanos suspeito de serem simpatizantes do comunismo ou dos ideais de esquerda. Estima-se que até 200 mil pessoas tenham sido assassinadas durante o expurgo de anti-comunistas da Coreia do Sul.

Durante décadas, os Estados Unidos responsabilizaram falsamente o governo da Coreia do Norte por essas mortes.

Após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, a península da Coreia, ocupada por décadas pelos militares japoneses, foi dividida em duas zonas de influência distintas, delimitadas ao longo do Paralelo 38. Na porção setentrional, dita Coreia do Norte, instaurou-se um governo socialista integrado à esfera de influência soviética. Já na Coreia do Sul, os Estados Unidos estabeleceram um autoritário governo militar que impôs uma política de repressão contra organizações sindicais e movimentos sociais. Sob crescente pressão desde o fuzilamento dos trabalhadores de Yeongcheon por militares estadunidenses, a Casa Branca decidiu "terceirizar" a gestão do governo sul-coreano para um regime-fantoche administrado por Syngman Rhee, um anti-comunista fervoroso que vivia nos Estados Unidos e era amigo pessoal do presidente Theodore Roosevelt.

Syngman Rhee ficaria à frente do governo sul-coreano por doze anos, consolidando um regime ditatorial brutal, marcado por abusos e por uma sangrenta campanha de perseguição política contra seus opositores. Em 1949, Syngman Rhee criou um movimento de "reeducação" para cidadãos sul-coreanos vistos como "potencialmente subversivos" — socialistas, comunistas, esquerdistas em geral, sindicalistas, activistas de movimentos sociais, militantes do movimento estudantil, trabalhadores grevistas, pessoas acusadas de anti-americanismo, etc.

O movimento recebeu o nome de "Ligas Bodo" (também chamadas de "Ligas Nacionais de Reabilitação e Orientação" ou "Bodo Yeonmaeng") e consistia, na prática, no envio de potenciais opositores do regime sul-coreano para campos de concentração. Em menos de um ano, mais de 300 mil pessoas foram encarceradas nos campos das Ligas Bodo.

Após o início da Guerra da Coreia em Junho de 1950, o ditador Syngman Rhee ordenou às forças armadas sul-coreanas que executassem todos os presos políticos detidos nos campos das Ligas Bodo, sob a alegação de que eram potenciais colaboradores da Coreia do Norte.

Os militares sul-coreanos iniciaram os massacres em 27 de Junho de 1950, fuzilando todos os cativos nos campos de concentração de Hoengseong, Gangwon, Busan, Daejon e muitos outros. Nos campos localizados no litoral, os militares sul-coreanos amarraram as vítimas e as jogaram no mar, para que se afogassem. Estima-se entre 100 mil e 200 mil o número de civis assassinados durante os Massacres da Liga Bodo, incluindo várias crianças.

Oficiais das Forças Armadas dos Estados Unidos sabiam, sancionaram, assistiram e documentaram os massacres. O general Douglas MacArthur, que comandou a força expedicionária estadunidense durante a Guerra da Coreia, descreveu o massacre como "um assunto interno" e outros oficiais estadunidenses deram aval e até auxiliaram nas matanças. Há registos documentais de soldados estadunidenses que incentivaram a execução de uma menina de doze anos. Soldados britânicos e australianos também presenciaram os massacres.

Não obstante, embora tivesse pleno conhecimento sobre o ocorrido, o governo dos Estados Unidos tentou responsabilizar falsamente a Coreia do Norte por essas mortes. O Pentágono chegou a financiar um filme de propaganda chamado "The Crime of Korea", lançado em 1950, em que apresentava evidências fabricadas ligando o "regime comunista de Kim Il Sung" e os militares norte-coreanos às matanças. A narrativa revisionista foi mantida por décadas pelas autoridades estadunidenses. Não obstante, meio século após os massacres, a Comissão da Verdade e Reconciliação da Coreia do Sul investigou o ocorrido e confirmou que foram os seus militares, sob ordens de Syngman Rhee e com anuência dos oficiais estadunidenses, que realizaram os massacres.

No ano 2000, documentos militares do Pentágono perderam a classificação de confidencialidade, sendo abertos ao público. Os documentos divulgados — incluindo a fotografia aqui reproduzida — comprovam que os militares dos Estados Unidos estiveram presentes durante ao menos dez massacres, fotografando e filmando os corpos das vítimas. Esse material serviu de matéria-prima para a produção do filme de propaganda de 1950, que buscava responsabilizar os norte-coreanos pelos assassinatos.

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