sexta-feira, 29 de agosto de 2014

EXPRESSO & AVANTE

«Dois espelhos do mundo
César Príncipe*
12.Mai.11 :: Outros autores

Expresso & Avante!/Dois Espelhos do Mundo é o título de um livro recentemente lançado pela Associação de Jornalistas e Homens do Porto. Conserva a matéria nuclear da primeira versão, que incorporava anexos, organigramas, gráficos, dossiers, fichas de investigação, bibliografia exaustiva. Elementos de suporte para destinatários académicos. A edição da AJHLP visa públicos diferenciados. O autor autopsiou e confrontou três exemplares: dois Expressos (1973/2002) e um Avante! (2002). É deste estudo comparado que apresentamos extractos. Não obstante o banco de dados que suporta os textos ter datação, estes mantêm actualidade conceptual. Para além da validade metodológica e hermenêutica. De facto, aprender a fazer e a ler jornais constitui um repto de cidadania.

INTRÓITO

O estudo começa por tipificar as fontes do Expresso, alinhando-as num dispositivo de interlocutórios, de agenciamentos diplomáticos da mensagem. A fonte é aproveitada e pode aproveitar-se/pode ser manipulada ou cavalgar a notícia. Há fontes mais ou menos jorrantes, colaborantes ou hostis, activas ou passivas, profissionalizadas ou primárias. A presunção quanto ao desprendimento da fonte costuma revelar-se incauta. O colector, por método, mede as propensões da fonte. É da pragmática que a disponibilidade ou a prontidão comportam expectativa de lucro económico, político, judicial, social, cultural (pessoal/colectivo). A contraproposta da fonte ou a fazer à fonte é da pré-leitura dos interesses da cadeia informativa. Poucos municiadores informacionais darão algo sem receber alguma coisa. A dialéctica da obtenção de uma mais-valia é omnipresente. Toda a notícia pressupõe um expresso investimento de via dupla ou um subentendido negocial. É da etiqueta inspirar confiança às fontes quanto aos retornos das confidências ou da matéria em primeira mão. Soma-se a este pré-requisito táctico um valor estratégico: todo o órgão de informação pretende ganhar autoridade normativa, referência de mediação. O público é o espaço de chegada a ser seduzido depois do processo de sedução haver passado pelo espaço de partida, o abastecedor de matéria publicável. O Expresso tem procurado e conseguido gerir um património de contactos, muitas vezes exercendo a lei da antecipação, por força do posicionamento sistémico, intercalando a Agenda Expresso na Agenda Geral, impondo-se como parceiro junto de vários sectores/actores. Mas também a fonte utiliza o Expresso para marcar a própria Agenda. O intercâmbio raramente é assumido mas constitui a alma do negócio. A parceria impede a fonte de secar ou de reduzir o caudal ou que este seja canalizado para a concorrência. A competitividade, quase ausente na ditadura, por supressão do contraditório legal, é um factor dinâmico em regime aberto, com uma Imprensa de citação levada ao clímax ou circus maximus no segmento tablóide.

No segundo bloco analítico, o autor traça linhas de comparação/colisão de Jornalismo de Sistema e de Contra-Sistema. Os textos em que se busca a prova de vida desta tese incidem sobre exemplares do Expresso e do Avante!. Os números de observatório poderiam ser outros, já que todos transportam o código originário, o selo de compromisso. Os conteúdos são hierarquizados segundo uma Agenda de Interesses. Os balizamentos doutrinários ressaltam, por mais que se encene isenção. A declaração de imparcialidade é um truque estilístico do persuasor para vender o seu produto, para nos capturar nas redes ou circularidades sistémicas/anti-sistémicas. As compulsações conduziram-nos, página a página, imagem a imagem, a um discurso organizado para nos atrair/alistar.

O Expresso e o Avante! cumprem os seus papéis de reguladores do Espaço Público, com os meios que lhes foi possível ou permitido mobilizar nos campos de influência, no raio económico-social de cobertura. As vantagens sistémicas pendem para o Expresso: capacidade instalada, virtuosismo gráfico, cabaz de suplementos, publicidade selectiva, fontes do poder, audiência alargada. O Avante! é folheado em bastiões ideológicos e frentes de protesto. Exprime um idioma contracorrente na Babélia Mediática. No trânsito histórico, Expresso e Avante! têm protagonizado um conceito-paradigma de comunicação social, antes e depois do 25 de Abril, com a respectiva carteira de intenções e o correspondente contrato social: o Expresso (1973), na perspectiva de uma República da Iniciativa Privada; o Avante! (1931), na perspectiva de uma República da Iniciativa Pública. Daí que, no antigo regime, o Expresso, embora sujeito a Exame Prévio, fosse tolerado: representava uma diferença evolutiva da situação, enquanto o Avante! teve de ser produzido e distribuído na clandestinidade.

A História prossegue. O Expresso e o Avante! persistem, no séc. XXI, a doutrinação. O Expresso, como produto convicto de mercado, busca a sustentabilidade na componente comercial. O Avante!, como oferta de ruptura, não aceita condicionamentos publicitários. Merecem, cada um na sua margem, que nos debrucemos sobre as suas orientações e práticas. São dois intérpretes com plena noção dos seus papéis instru(mentais). São duas fábricas de leitores e de eleitores. De leitura obrigatória para não perdermos o pé nas encruzilhadas do mundo. São dois históricos do Jornalismo Português. O Expresso vai celebrar 38 anos, o Avante! celebrou 80. A melhor prenda de aniversário, numa Sociedade do Conhecimento sem tabus, seria que ninguém lesse o Expresso sem ler o Avante! e ninguém lesse o Avante! sem ler o Expresso. A literacia mediática alcançaria uma coroa de glória ou uma síntese democrática. Movidos por um espírito de Cidadania da Informação - convidamos os prezados leitores para um verdadeiro Prós e Contras. Martela o marketing que ler jornais é saber mais. Saber escrever também não seria dom menor. Saber ler também não seria má ideia.

Carecemos de um Plano Nacional de Leitura dos Média.

JORNALISMO COMERCIAL & JORNALISMO LITERÁRIO

O fazer jornalístico assenta em esferas de interesses que exprimem, em cada momento, posições ideológicas mais ou menos dissimuladas.
José Rebelo, O Discurso do Jornal

Abordagem sucinta de filosofias e práticas editoriais, segundo a clivagem discursiva da Revolução Industrial (séc. XIX) e no quadro histórico português, balizado pela Ditadura de 1926 e pela Democracia de 1974. A divisória de opiniões e factos (Publicações doutrinárias e informativas, Lei de Imprensa, Art.º13) tem sido e continua a ser matéria de ponderação académica e profissional. Procurar-se-á esboçar um retrato de dois periódicos como produtos e produtores de factos/doutrinas. Diagramaremos algumas linhas de identidade, desde as estruturas orgânicas e funcionais às retóricas de imagem, recorrendo a uma metodologia comparativa e contrastativa, a partir de uma observação biface:

Jornalismo de objectividade
Jornalismo de subjectividade

EXPRESSO
JORNALISMO COMERCIAL

OBJECTIVIDADE: Logo no primeiro número, em 1973, o Expresso afiançou pautar-se por um novo estilo de fazer jornalismo, separando notícia de opinião. O objectivo da objectividade não era novo. Uma das proclamações genéticas e genéricas do jornalismo comercial assentava, desde há mais de 100 anos, na separação de factos e comentários: O facto é sagrado. O comentário é livre.1 Em 6 de Janeiro de 1973, o Expresso apenas retomou o conceito e a divisa de objectividade, aproveitando do abrandamento do Exame Prévio e do estado terminal do Antigo Regime. Alguns grupos económicos haviam já tomado posições no sector da Imprensa, prevenindo-se para uma alteração política em que não pudessem escudar-se na Censura. O Expresso beneficia do esgotamento do Regime e da predisposição generalizada de mudança. O jornal vem corresponder a um novo mercado de opiniões sobre os factos. Num quadro de oferta monótono e manietado e sem respostas para uma sociedade em crescendo de inquietação, um projecto com garantia de separar notícia de opinião, reforçado por um pacto de seriedade, independência e rigor, senão constituía novidade na História da Imprensa, tinha o mérito de recolocar a objectividade no terreno do normativo mediático. De 1973 a 2002, o jornal tem prosseguido a gesta da objectividade, de acordo com a estratégia deste modelo empresarial e os propósitos políticos do fundador. Estratégia reafirmada pelo presente director, em nota editorial, ratificando, como valências padronizadoras, a Política e a Economia, agora com mais um pilar no efémero e eterno edifício em construção, que é um jornal: a Cultura. O Expresso assenta sobre um tripé. A objectividade não se exime, pois, às condicionantes do projecto, a pressupostos histórico-filosóficos, à ideologia do pragmático, do tecnocrático e do rentável, enquanto objectivo empresarial, enquanto sujeito e objecto de influência.
Tal estratégia passa, no Expresso, por uma ocupação do espaço público através de uma proposta jornalística potenciada para liderar com larga vantagem o mercado da imprensa semanal, fortemente sustentada na Política e na Economia.2 Esta encontra, no variado e volumoso semanário, expresso livre-trânsito, pois divide, com a Política, parte substancial do 1.º caderno (noticiário, comentários, Bolsa & Mercados), expandindo-se por três cadernos (Economia e Internacional, Emprego, Imobiliário e Topo de Gama). O peso da Economia na programação editorial reflecte-se também noutros cadernos. Para culminar o privilegiamento da Economia, a Publicidade directa é a grande usufrutuária e sublocatária das 362 páginas do Expresso. Acrescente-se a esta omnipresença os fluxos publicitários de suplementos regulares e eventuais e de encartes.
O Expresso assume a Política como um dos seus objectivos, num duplo registo: de montra selectiva de acontecimentos e fabrico de moldes de pensamento correcto. Quanto à Economia, como se frisou, é quem mais ordena no processo e no projecto. É a grelha de partida na Fórmula 1 da Grande Informação e a meta ideal. No que toca à Cultura, que sempre mereceu tratamentos habitualmente credenciados, alcança, agora, o estatuto formal entre os sustentáculos institucionais. Tal relevância traduz os interesses da comunidade de leitores e do recorte das novas gerações especializadas, decorrendo também da agenda pública, carregada de eventos nacionais e internacionais. A Cultura ganhou, para sua glória e reverso de servidão, a categoria de Indústria. O Expresso acolhe-a, com portas particularmente abertas, na Revista, em Vidas, Cartaz e Guia da Semana. A Política põe, a Economia dispõe, a Cultura predispõe. O semanário é, neste como noutros aspectos de reorganização e eleição de factos, assaz performático. Está atento e ajuíza a produção institucional (pública e privada), o show-business cultural, o mercado das vedetas, sem descurar de todo as manifestações marginais. A estratégia cultural passa ainda por momentos de alto júbilo com iniciativas, como é o caso do Prémio Pessoa, sponsorizado pela Unisys, mas com todo o ritual de credibilização a cargo do Expresso. A retumbância da atribuição do galardão suaviza o peso da Política e da Economia e infunde nos sectores intelectuais um sentimento cortês. Esta religitimação e reautentificação, junto de elites e de públicos-alvo, utiliza várias outras pontes, como é o caso do protocolo entre o Expresso e a editora Temas e Debates:
Que permitirá a publicação, em livro, da recolha de textos de enviados especiais do jornal, de crónicas dos seus colunistas ou recolha de artigos ou reportagens sobre temas importantes que, por uma razão ou por outra, apaixonaram a opinião pública. O protocolo prevê ainda a possibilidade de editar brochuras especiais com alguns números do semanário ou de apoiar livros prefaciados por colaboradores do Expresso.3
Nesta função projectiva, também o Expresso se irmanou com a Cerveja Sagres no Prémio Milénio, na promoção de projectos inovadores de jovens nas áreas de Ambiente, Multimédia, Oceanografia, Design e Música. Nesta política de colar o Expresso a determinados públicos selectivos, se explica também a co-sponsorização do Expresso, Egor e Desafio Global na organização do desporto aventura Challengers Trophy. Igualmente na Economia, obtém o jornal a unção das obras pias, graças a Mercedes Balsemão, rosto de capa do Expresso Golf Cup e presidente da Novo Futuro, Associação de Lares Familiares para Crianças e Jovens.
Que objectividade se exige para conferir excelência ao tripé? Em Política, será de fazer um ponto de ordem memorizador da carreira do fundador e principal accionista, a todos os títulos indescolável da publicação: antes do 25 de Abril, como deputado da Ala Liberal; depois, como fundador do PPD/PSD, primeiro-ministro de um Governo de Centro-Direita e pré-candidato a presidente da República. Mais recentemente, a política jornalística de objectividade e distanciamento dos factos viu-se, de novo, perturbada pela deslocalização para a primeira página de um editorial: O fim do saque à RTP4 e, para não banalizar o solene recurso à primeira página, lançou mão do editorial na última página: O falso canal público.5 Estes realces editoriais dão um trato de emergência ao tema RTP, que desperta leitores e decisores políticos para os toques de clarim da Pátria, cujos timbres dramatizadores da vida colectiva tiveram em Salazar (intervenções nas horas graves) um padrão de oratória. Sendo alvo de suspeição o empenho do Expresso no que se relaciona com a RTP, como estação concorrente da política audiovisual do Grupo Impresa, esta campanha não dissipa dúvidas e distâncias sobre critérios de objectividade. Seria também esclarecedor quantificar e qualificar o caudal informativo e optativo de mais de 1500 edições, elaborando-se as curvas ondulatórias dos compromissos, da separação das notícias/opiniões. E na Economia, que preferências entre o sector público, o sector cooperativo e o sector privado, o mundo do trabalho e a esfera dos negócios, os desígnios colectivos e particulares? Nos últimos anos, o Expresso surge como uma das estrelas polares na constelação Impresa, o mais ousado e determinado grupo mediático doméstico. O líder do grupo, Francisco Balsemão, sentiu-se mais embevecido do que embaraçado por haver quem o cognominasse Berlusconi português. À nossa escala, considerar-se-á alçável a cavaleiro da Nova Ordo Equester da Informação Global, com a Informação-rampa de Poder Político e com a Privatização-rampa de Poder Económico. Cabe, no entanto, ao semanário de Grande Informação o impulso mater, dotando o accionista-estratego de influência e now-how para recaímento do alvará da SIC; foi o mesmo semanário que investiu e revestiu de auréola o fundador para franquear o blindado Grupo de Bilderberg; tem sido o mesmo semanário a cumprir um papel de estrita lealdade no atinente às expectativas do Grupo quanto ao já supracitado destino da RTP. Desde que Emídio Rangel se transferiu da SIC para a RTP, o Expresso concedeu honras de primeira página à RTP nas 22 edições seguintes/anteriores à agudização da problemática da estação de serviço público. Rangel que, nos tempos de glória da SIC, fazendo gala da sua máquina de construir e desconstruir discursos, se propôs vender/eleger um presidente da República como se vende um sabonete, a verdadeira fórmula mágica de conduzir ambições políticas e concepções ideológicas através de marketing político- comercial. E injectar conceitos e preconceitos não é apenas manobrar a logística tecnológica, cultivar a intimidade dos poderes e reportar, de qualquer modo, o efeito dessas relações. Não é de qualquer modo: PAGINAR é tanto ou mais sensível e desencadeador de reflexos condicionados de leitura do que o escrever, do que o ilustrar. A arrumação dos produtos numa hierarquia de chamamento é um juízo de valor e uma estratégia de impacte. O que pode atrair também pode atrair.
Na verdade, quem autentica a objectividade e a imparcialidade? Quem certifica o discurso dos e sobre os factos? Que subsolo ideológico e lucrativo se moverá sob as neutras superfícies? No marketing de Internet, o Expresso considera que é olhado como uma instituição pelo espaço público, pelo consenso social. Extraindo autoridade de tal potencial induzido e instalado no senso comum, usa, com frequência, fórmulas sacramentais: Segundo o Expresso apurou…. Investe, assim, como avalista insuspeitável. Mas não conterá qualquer conceito de objectividade um preconceito de subjectividade? Não estaremos todos maculados por subentendidos? Onde começam e terminam os comércios da evidência? O Expresso soube nascer no tempo certo e possível, calculando os riscos do êxito, reaplicando, no derradeiro quartel do séc. XX, à equação Notícia/Opinião. Encontrou o seu espectro social de leitura: a classe média mais ou menos instruída. Essa classe média conta com centenas de páginas para um week-end perfeito. Conta ainda com uma página de Correio, um dos expedientes típicos do jornalismo de audiências alargadas e multifacetadas. Sempre que indispensável, para além da Carta Branca e do Correio Azul, insere uma pequena caixa postal de Rectificação, num gesto de pública contrição, reconciliando-se com os leitores, retocando uma imagem ferida pelos factos. A empatia com os leitores vai também até à adulação de algum regionalismo inconvicto e simulatório, como é o caso da Edição Norte, sem qualquer perfil regional, sem qualquer justificação editorial, mas que serve de lisonja para uma mancha de públicos de província. Mas a retroacção com os leitores/espaço público não se acantona nestes postos de atendimento redactorial. O Expresso criou, no caderno Vidas, uma página, parodiando o seu cabeçalho e o seu logotipo, a que deu o nome de Pombalense, tendo por director e director-adjunto o marquês de Pombal, figura histórica temida pelos estratos mais reaccionários. Esta página, pretensamente outsider, cumpre uma função de catarse interna (através de charges, que alvejam a Direcção e até o dono do jornal, tipo ferroadas de amor), reforçando a convicção externa de inteira liberdade, através do bobismo cortês, fundindo, com espírito de corpo, a liberdade de Imprensa, a liberdade de Empresa, a Impresa da Liberdade. O Pombalense é simultaneamente um predestinado para a coloração rebelde da restante indústria de factos e doutrinas e um acolhedor de remoques de redactores e leitores.
RESUMINDO:
a) O Expresso é o mais bem sucedido empreendimento de jornalismo comercial, iniciado no séc. XX, baseado na regra de ouro da concorrência e da interactividade (esta no duplo olhar/off-set/on-line). Por este ângulo preenche os requisitos estruturais e sociais da Imprensa de massas qualificadas, suportada por toda a panóplia tecnológica, por meios e redes de distribuição e venda, satisfazendo diversos leitorados, mais estáveis e mais mutantes. Explora com eficiência os novos públicos, as novas escolaridades, os novos temas da competição e da instantaneidade. Acompanha acontecimentos/choque do país e versões e vertigens da modernidade. Na agenda do Expresso On-line, cabe o dossier especial sobre o 25 de Abril de 1974. Na primeira página do Expresso, cabe a notícia de que quatro felizes portugueses compraram quatro Lamborghini Murciélago.
b) O Expresso, devido à sobrecarga publicitária, própria de um mercado agressivo e indutor de consumos, comporta mais anúncios do que notícias com opiniões e opiniões com notícias. Consegue, todavia, mercê das receitas publicitárias, depositar nas mãos dos consumidores um produto atractivo, denso e barato: 362 páginas ilustradas por 2,5 Euros. Sem publicidade e sem espírito mecenático, este produto custaria ao adquirente um mínimo de 25 Euros, beneficiando da elevada tiragem.
c) O Expresso é um jornal-painel e passerelle da vida político-social, da economia de mercado e do multiculturalismo, com ênfase para os vencedores do Sistema. O jornal abre-se em leque a séries de interesses e premeditações. Por exemplo, acolhe dicas de última hora, geralmente à sexta-feira, de figuras do star-system político, económico e social, sabendo que tais figuras escolheram a última hora para tais bocas saírem na primeira ou na última página e sem teste de outras fontes. Tais informadores participam, assim, no agendamento privilegiado dos objectivos da sua (interactiva) objectividade. Não hesita também o Expresso, sem abdicar da personalidade (de referência) do jornalismo institucional, de integrar eventos da Imprensa cor-de-rosa, como ficou expresso na reportagem do esquivo e romântico enlace do ex-ministro da Cultura, Manuel Carrilho, com uma estrela do audiovisual do grupo Impresa. A concessão às vénias da Imprensa do coração ficou patente na sacrílega permissão da escolha das fotos pelo nubente.6
d) O Expresso, para além de préstimos diversificados contabilizáveis em múltiplas áreas e de constituir o lobby de papel mais capacitado do país, sendo um dos Meios Definidores das Decisões Políticas, tem funcionado como Escola de Quadros do Novo Regime e Agência de Qualidade Sistémica. Como se tais aptidões não bastassem para reflectir e dimanar poder, o Expresso é sede-prestígio da Família Balsemão, não só assessorando a caminhada política e empresarial do fundador, como, por exemplo, posicionando a descendência na Administração/Direcção de Relações Públicas e Marketing Editorial ou conferindo à primeira dama do Grupo o esplendor da high society/Expresso Golfe.
f) O Expresso espelha, filtra e concentra, portanto, um conjunto de desempenhos, executando os postulados do capitalismo liberal e global, maleável para a informação/espectáculo, que consente o pluralismo controlado e não se inibe de tomar partido (ora liminar, ora subliminar), administrando, por convicção ou contágio, 1 milhão de cidadãos/consumidores.7
O Expresso representa, em suma, a plena receita jornalística de um modelo de Política, de Economia e de Cultura, sob o benigno manto da objectividade e do distanciamento. Se porventura o âmbito deste enfoque implicasse o levantamento das 1500 edições do hebdomadário, revelar-se-ia a sistemática intencionalidade e a estratégia da ambiguidade das notícias/opiniões e das opiniões/notícias. Haveria que averbar-lhe certamente um lugar liderante na revolução estética e ética da Imprensa em Portugal pós-1973. Debitar-se-ia a favor das suas iniciativas um extenso rol de antecipações tecnológicas, desde o off-set, aos circuitos por disquete Redacção/Gráfica, ao recurso sinergético a gráficas portuguesas e espanholas. Deve-se-lhe o mérito de instituir um Caderno de Economia, há 20 anos, no ordenamento da Imprensa portuguesa. Igualmente se lhe deve, em 1976, inspirando-se nas crónicas do jornal comunista L’Humanité, introduzir a gastronomia entre os assuntos dignos do jornalismo de referência, crónicas que a restante Imprensa lentamente emulou, tornando-se hoje matéria obrigatória da informação generalista. Verificar-se-ia, por fim, que o Expresso inaugurou, entre nós, a era da overdose informacional, propondo ao leitor um fim-de-semana a sós: muitos jornais num jornal, leres e lazeres para toda a família, saídos de um saco de hipermercado de actualidades da política e da economia, de curiosidades da moda e do design, de agenda da Cultura, do espectáculo, da gastronomia. Alguns dos seus quadros protagonizam uma sucessão de projectos no panorama mediático. O Expresso ficará ainda com os dividendos do pioneirismo multimédia. Por este banco de razões, não admira que tenha formatado leitores em eleitores, esmerando-se como um dos palcos do estrelato social e das retóricas da intelligentzia rotativista da Terceira República.

FICHA SINALÉTICA & DOSSIER DE IDENTIDADE
Segundo Jacques KAYSER, Le Quotidien français, Armand Colin, Paris
EXPRESSO
Nós não desconfiamos da teia que à nossa volta tecem umas formas que nos seduzem.
Blanche Grunig, Les Mots de la publicité, l’architecture du slogan
FICHA SINALÉTICA
EXPRESSO. Mudança de logotipo (1998). Contrato editorial com o espaço público: primeiro semanário de informação geral. Estatuto editorial baseado em três princípios: seriedade, independência e rigor. Contrato-programa com os leitores: um novo estilo de fazer jornalismo, separando notícia de opinião, privilegiando a novidade e o jornalismo de investigação. Balanço: este novo estilo fez um jornal de sucesso, num país onde emergia uma classe média carente de uma informação mais independente e credível.
Lugar da Administração e Redacção: Rua Duque de Palmela (Lisboa).8
Periodicidade: semanário.
Data do primeiro número: 6/01/1973.
Principal zona de difusão: audiência nacional, com predominância urbana e faixa litoral.
Tiragem média: em 1973, 65.000 exemplares; em Abril de 2002, 165.250 exemplares. Fonte: APCT/Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem; AIND/Associação da Imprensa Não-Diária. Volume médio de sobras: 12/13%. Fonte: Direcção de Relações Públicas e Marketing Editorial do Expresso.
Preço: em 1973 (5$00); em 2002 (2,50 Euros). Número de vendas por assinatura: cerca de 1.100, 50% estrangeiras/as portuguesas são quase todas institucionais e as estrangeiras sobretudo privadas. Preço anual: Portugal-124,80 Euros; Europa-436,50 Euros; Extra-Europa-695,50 Euros.
Formato: broadsheest, em 1973; autonomização da revista, que passa a tablóide, em 1977, revista que, em 1981, opta pelo formato magazine; autonomização do cartaz, que passa a tablóide, em 1988 e a magazine, em 1991; redução do formato broadsheet, em 1994; caderno Viva passa a tablóide, em 1996.
Número de páginas/total de cadernos: 362.
Número máximo de colunas por página: 8.
Gráfica: Imprejornal/Cinforma, Heska, Lisgráfica.
Número de edições: 2. Nacional e Norte.
Publica suplementos e dossiers especiais on-line. Os suplementos dependem, por regra, de compromissos/promoção de eventos. Exemplo de suplemento regular: Expresso Golfe (Media Partner).
Características excepcionais na vida do jornal: carácter inovador em termos do universo mediático português, correspondendo a uma viragem de recorte anglo-saxónico. Contribuiu para assegurar um espaço mediático mais técnica e tematicamente atraente e credível num espaço público submetido a Exame Prévio, no período crepuscular da Ditadura. Evidenciou também, no período mais á esquerda da Democracia (1974/1975), notória singularidade, pendulando entre o centro-esquerda e o centro-direita, garantido expressão a sectores condicionados pela dinâmica revolucionária.
Conservação das colecções e serviço de documentação: em fase de mudança para espaço multimédia do Grupo Impresa.

DOSSIER DE IDENTIDADE
Sociedade anónima/Controljornal, SGPS - 100%. Capital social: 2.040.000 Euros.
Integra-se num grupo multimédia: Impresa. O grupo abarca imprensa escrita e audiovisual. Inclui capitais estrangeiros.
Vendas: ano 2000, cerca de 50 milhões de Euros. Resultado antes de impostos: cerca de 8 milhões e 500 mil euros. Os lucros, em 2001, rondaram os 800 mil contos. Fonte: Expresso e revistas Meios & Publicidade e Media XXI.
Não tem gráfica própria. O planeamento e pré-impressão competem à Imprejornal e Cinforma (100% da Controljornal), com parte da composição subcontratada à Heska e as operações gráficas terminais à Lisgráfica. Esta imprime mais de 100 títulos na área das publicações periódicas. A produção da Lisgráfica supera os 15 milhões de exemplares por semana (jornais, revistas, boletins e listas telefónicas). É o maior gigante gráfico da Península Ibérica.
O papel é importado da Finlândia.
Possui distribuidora: VASP (Hoge/Impresa detém 50% da VASP/distribuição e 100% da VASP/distribuição porta a porta e JAVA). Coloca outras publicações.
Proporção de vendas: circuito das bancas - 99,2%; assinaturas-0,8%.
Não distribui exemplares gratuitos.
Recursos humanos efectivos: 251.
Admite estagiários. Em 2001: 4. Em 2002: 3. Como indicador do mercado de emprego em geral e da política de admissões do Expresso, um dado a ganhar consistência: nos dois últimos anos, o grupo de estágio tem sido exclusivamente feminino.
Possui colaboradores permanentes exteriores à Redacção: 42. Preenchem todas as rubricas, nacionais e internacionais, matérias especializadas e crónicas. Perfis sócio-profissionais: jornalistas, professores universitários, escritores, políticos, quadros e consultores empresariais.
Possui correspondentes estrangeiros: 31. Na grande maioria, são jornalistas qualificados (estrangeiros e portugueses). A nível nacional: não tem correspondentes. Tem duas delegações: Porto e Coimbra.
Os colaboradores e correspondentes são, por regra, remunerados.
1. Diário de Notícias, 29/04/1864.
2. Expresso/Marktest, 20/04/2002.
3. Protocolo celebrado em 25/05/2002.
4. Expresso, 11/05/2002.
5. Expresso, 25/05/2002.
6. Direitos contratualizados com Expresso/Lux/Caras, 2001.
7. Vendas/audiências, projecção Expresso e Bareme da Marktest.
8. Sede /Expresso: Edifício S. Francisco de Sales, Rua Calvet Magalhães, 242, Paço de Arcos. Sede /Impresa: Rua Ribeiro Sanches, 65, Lisboa.


AVANTE!
JORNALISMO LITERÁRIO
O pensável politicamente
Pierre Bourdieu, La Distinction-critique sociale du jugement
SUBJECTIVIDADE: Este semanário identifica-se perante os leitores sem roupagens pudicas: é porta-voz autorizado do PCP, órgão central das suas concepções e do seu agendamento na ordem mediática da semana. Como é timbre da Imprensa literária, doutrinária ou de opinião, dirige-se essencialmente aos militantes e simpatizantes. O Projecto de Resolução Política é plenamente claro a este respeito, integrando a dinamização do Avante! como uma das tarefas do colectivo:
A promoção da difusão da imprensa do Partido, o alargamento da distribuição e venda, as acções de venda de rua e o lançamento de uma campanha nacional de difusão do Avante!, com início na Festa do Avante! de 2002 até ao 1º de Maio de 2003, com o objectivo de aumentar a venda em 2000 exemplares, são algumas das medidas a tomar, a que se deve associar o desenvolvimento do sítio Internet do PCP e da edição on-line do Avante! e a maior regularidade dos espaços do Avante! destinados à participação dos membros do Partido.1
Enfim, um projecto voltado para a difusão, a exploração das novas tecnologias e o diálogo ideológico interno. Uma linguagem sem rodeios, uma directiva do Proprietário. Sem lugar para dissimulações. De resto, o director não se coíbe, antes deixa transparecer um acento de excepcionalidade identificativa ao classificar o Avante! como não-isento.2 Folheando-se esta publicação, desde 15/02/1931, com a lupa da não-isenção, comprova-se ter conduzido as suas perspectivas nos parâmetros do liminar e do linear, não cultivando as subtilezas do não-dito, a não ser na clandestinidade, nas senhas conspirativas. Porque se trata de um jornal de explícito combate político e ideológico, herdeiro da Imprensa operária (1850-1926), que renovou, deliberadamente correu os riscos da produção e difusão clandestinas, afinco que não é da vocação da Imprensa comercial, pela natureza dos compromissos propensa a reptos menos sacrificiais. A Voz das Camaradas, jornal que visava levar solidariedade feminina às hostes resistentes, escreveu sobre as condições de feitura do Avante!:
Se Gutenberg viesse à nossa oficina, não ficaria muito perplexo.3
Depararia com as condições de um mensageiro das catacumbas, sem almejar o lucro e sem querer nem poder celebrar qualquer pacto, o que, para a sua radicalidade, a ser do domínio do viável, significaria renegar-se, negociar uma apólice de tolerância temporária e extinguir-se pelo descrédito. Ao confrontar-se com a Ditadura e a Censura, o Avante!, para não desaparecer do espaço público, saiu de cena e passou-se para os bastidores, trilhando as vicissitudes da errância e do desmantelamento das oficinas e postos volantes de armazenagem. Teve, por virtude do perfil maquisard, de se aparelhar, não como uma unidade gráfica, redactorial, de distribuição e venda integrada no Sistema: inventou as suas regras de existência beduína e camuflada. Teve de produzir-se e distribuir-se com o mínimo de recursos técnicos, financeiros e humanos. Por exemplo, só tinha um redactor. A título exemplificativo, anota-se que Álvaro Cunhal executou este serviço de 1943 a 1947 e de 1948 a 1949. O seu fabrico e a sua distribuição ficaram nimbados por um lendário, desde inocentes polícias que, na Estação de S. Bento, no Porto, cooperaram no transporte de uma mala com os tipos de chumbo, a bicicletas que rolaram milhares de quilómetros por mês carregadas de jornais, a uma station Mercedes, que dava boleia a um grupo de freiras, cuja castidade protegia os jornais nos assentos, ao filho do agrário de Beja que engrinaldava as oliveiras de Avantes!, que esvoaçavam sobre os trabalhadores no varejo da azeitona, a centenas de artifícios, que iam das retretes dos cafés aos vestiários das fábricas, das camaratas das casernas aos arraiais populares.
O Avante! intervinha fora da dimensão da Imprensa normalizada, dirigindo-se aos seus receptores, no intuito do esclarecimento, do alento e do passa-palavra de acção. Este era o panorama antes do 25 de Abril. Panorama que alguns historiadores objectivamente eliminam da sua objectividade/subjectividade. O que nos remete para o perene questionamento da objectividade e do distanciamento, na História como no Jornalismo. A talhe de foice se refere a obra Salazarismo e Fascismo, honrada com um prefácio de Mário Soares. O autor exara apenas uma ambição: a de uma síntese tão distanciada e imparcial quanto possível. Para Mário Soares, ateve-se à verdade dos factos: é isso que este livro faz e muito bem. Todavia, o historiador de Salazarismo e Fascismo logrou distanciar-se tanto e tão bem que, em 48 anos de factos investigáveis, nem uma só vez tropeçou com o Avante!. Quanto á Imprensa opositora, o escrúpulo científico limitou-se a alguns órgãos católicos progressistas. Também nunca refere o PCP em 48 anos de resistência, nesta verdade dos factos.4 Assim, se consagra o “teatro de sombras” (Hanah Arendt) do rigor e do distanciamento. O que sugere que se problematizem todas as objectividades e subjectividades, no sentido de se encontrar uma aproximação dos factos à verdade e da verdade aos factos. A verdade integra muita superficialidade e procura insonorizar ruídos de fundo. Releia-se um autor pouco polémico na Ordem Teórica mas, mesmo assim, pouco seguido na Ordem Prática: Ricoeur.5
Depois da Revolução, o semanário de papel de arroz conquistou outro formato, mantendo-se, porém, até hoje, na esfera da voz original, do mesmo Partido/Proprietário. Apesar de órgão central do PCP, o seu discurso, nos últimos anos, tem insistido sobremaneira na coesão grupal, numa época de patente erosão, dispersão e desmobilização de leitorado (segmentos obreiros e intelectuais). Não aspira persuadir com a sua objectividade, mas com a sua versão e a sua aversão. A divisa do extinto o Diário, da órbita da mesma entidade, a verdade a que temos direito, filia-se no mesmo ADN conceptual. O Avante! difunde a sua verdade dos factos. O seu visor da objectividade é um divisor.
Já na legalidade e sujeito aos dispositivos gráficos e de distribuição do Sistema (Lisgráfica, Deltapress, bancas de retalho), o grosso das vendas mantém, em 2002, os canais da militância. A tarefa é tão imperativa que não são aceites devoluções. De resto, a ligação afectiva ao Avante! (provavelmente herdada do carácter de bem escasso no tempo da clandestinidade) dá azo a relutância em mandar para o lixo o jornal. O militante típico sente-se invadido por um sentimento de perda. Daí o hábito de o fazer render passando-o a um colega, a um vizinho, na mesa do café, na caixa de correio próxima. Tal zelo prosélito contrasta com a tipologia do leitor-consumidor da Imprensa comercial, que se descarta dos exemplares como da lata de cerveja ou da lâmina de barbear.
Situando-se no mercado aberto e perante reptos inovadores, o Avante!, ao contrário do que é suposto, procedeu a ajustes e, nalguns momentos, tomou a dianteira tecnológica e de design gráfico. Tecnologicamente, em 1974, após uma experiência broadsheet, adoptou o formato tablóide; em 1975, foi dos mais prestos a recorrer ao off-set; foi dos primeiros a uniformizar famílias-tipos e a paginar em bloco, eliminando as pernas, bem como a fazer suplementos em dois corpos. Foi também, com o Expresso, vanguardista a circuitar disquetes entre a Redacção e a Tipografia. Foi também o primeiro jornal nacional on-line (1996). Avanço que lembra a situação do boletim da comunidade de Barranca Vermeja (Colômbia), cercada pela guerra civil e pelo isolamento geo-estratégico, mas ligada ao mundo pela Internet. A estilística ideológica procedeu à renovação da mancha e da malha gráficas. Jornalisticamente, o Avante! refrescou os dispositivos cénicos e os referenciais: Avante! Semana, em Foco, Avante! PCP, Avante! Trabalhadores, Avante! Nacional, Avante! Europa, Avante! Internacional, Avante! Temas, Avante! Argumentos, Avante! Agenda, Avante! Televisão, Avante! Últimas. Como matérias residentes, extra-política corrente, destacam-se, pelo carácter extensível a outros grupos de interesses, dossiers e entrevistas nas rubricas Em Foco e Temas e ainda os artigos sobre Comunicação e Religiões (em Argumentos) e a crónica TVisto. D relevar, num jornal com estas características, a concessão de 2 páginas à TV, reconhecendo o seu peso mediático. O Avante! incorpora também alguns aliciantes comuns à Imprensa comercial: Citações, Cartoon, Palavras Cruzadas. Reserva, todavia, uma secção muito singular: um talhão dos combatentes, caídos pela lei da vida. É uma Secção Necrológica (paga na Imprensa comercial), elevada a Mausoléu de Militantes, onde ser traça o perfil/lápide dos camaradas falecidos e onde o colectivo do Avante! exprime condolências às famílias e amigos.
A linha doutrinária regular, conforme a advertência do cabeçalho, é a do PCP, matizada por aberturas recentes: fase preparatória do último Congresso e da próxima Conferência Nacional. Quanto ao alargamento do espaço cénico do jornal a actores do espaço público, dando-lhe voz directa, sem apertado contexto crítico, são raras as constatações. O caso mais singular ocorreu com um depoimento de Jardim Gonçalves, presidente do maior grupo bancário nacional. O diálogo, no mesmo espaço cénico, com os adversários de classe não teve continuidade.
A linha editorial é certificada pelo PCP/Proprietário, que, com a Editorial Avante SA, apenas firmou um contrato de prestação de serviços. Neste género de publicação, valida-se a coerência subjectiva/ideológica na apreciação dos factos: um jornalismo de baluarte e auto-defesa/agitprop.
RESUMINDO:
a) O Avante! é um protótipo de jornalismo literário, de tertúlia, aplicável aos circunstancialismos de 1931 a 2002. Distingue-se da Imprensa comercial por se dirigir a um campo segmental e não a um campo diferenciado. Foi a publicação mais generalista do PCP, cuja doutrinação-informação se canalizou por uma variada e alargada rede de jornais e boletins de perfil sectorial. Como semanário com códigos de barras ideológicas tem resistido como único jornal partidário de expressão nacional. As suas quebras de audiência seguem as do PCP, sendo encaradas, pelo próprio, com a endurance dos pleitos ideológicos.
b) O Avante!, cioso da impermeabilidade a pressões do jornalismo comercial, não aceita publicidade.
c) O Avante! é uma bateria ideológica, que gere o seu espaço cénico, privilegiando as temáticas e problemáticas laborais e sociais, os acontecimentos e causas nacionais e internacionais Anti-Sistema, dedicando também notório ascendente à agenda interna e externa do Partido/Proprietário.
d) O Avante! ambiciona manter informado/formado o colectivo partidário, terçando argumentos e relatos de factos contra o acosso do Sistema e a turbulência nos redutos orgânicos e de influência do Partido/Proprietário. Nesta querela com o Sistema político-económico e com o Sistema multimédia, bem como na altercação familiar, o semanário propõe-se defender os grupos dependentes dos grupos hegemónicos, mantendo a disciplina normativa/redactorial/linha do Congresso de 2000.
e) O Avante! sustentou-se, na clandestinidade, através da Caixa Geral do Partido e, na legalidade, suporta os custos através das vendas, pelo que pratica uma austera gestão.
f) O Avante! tem acompanhado as curvas de influência do PCP, como a Imprensa comercial acompanha a sismografia do sucesso e do declínio dos proprietários e decisores.

FICHA SINALÉTICA & DOSSIER DE IDENTIDADE
Segundo Jacques Kayser: Le Quotidien français, Armand Colin, Paris
AVANTE!
Nem a censura, nem a apreensão de livros, nem a liquidação de jornais e revistas, nem a proibição do trabalho científico, nem a fiscalização e a supervisão das associações culturais, puderam impedir a formação e o desenvolvimento democrático da nossa intelligentzia.
(Álvaro Cunhal, Rumo à Vitória)

FICHA SINALÉTICA

AVANTE!. 
Na fase clandestina, mudou várias vezes o logotipo, de acordo com o gosto estético da época e as imposições técnicas das gravuras (zinco, linóleo, madeira de buxo entalhada á mão). Na fase legal, o logotipo foi alterado em 2000. Fonte de autoridade editorial: Órgão Central do Partido Comunista Português. Divisa exortativa: Proletários de todos os países UNI-VOS!.
Lugar da Administração: Avenida Gago Coutinho (Lisboa).
Lugar da Redacção: Rua Soeiro Pereira Gomes (Lisboa), sede do Proprietário/PCP.
Peridiocidade: semanário.
Data do primeiro número: 15/02/1931.
Principal área de difusão (audiência nacional, com penetração sintonizada com a influência partidária: zonas fabris, urbanas e suburbanas).
Tiragem média: em 1937/38-10 mil exemplares; anos 80-80.000 exemplares; anos 90-quebra até 12.000 exemplares; 2002-20.000 exemplares. No ano de 2001, 873.000 exemplares. Fonte: Avante!, Editorial Avante e INE/Instituto Nacional de Estatística.
Preço: em 1974 (última edição clandestina, 1$00; primeira edição legal, 2$50; actualmente, 1,00 Euro.
Número de vendas por assinatura: cerca de 3.000 exemplares. Precário anual das assinaturas: Portugal-44,9 Euros; Europa-114,75 Euros; Extra-Europa-164,60 Euros.
Formato: de 1931 a 1974, tipo página de livro, papel bíblia; a partir de Maio de 1974 (primeiras edições legais, broadsheet, seguindo-se o formato tablóide médio, modelo Le Monde, que se mantém, apesar da remodelação gráfica e redactorial de 2000.
Número de páginas: 32.
Número máximo de colunas por página: 6.
Gráfica: composição, Heska; impressão, Lisgráfica.
Número de edições: 1. (Momento excepcional: duas edições, tiragem 500.000 exemplares, 17/05/1974).
Suplementos: habitualmente não publica. No período de existência legal, só em determinados momentos publicou suplementos diários: campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte (1975) e durante Congressos do PCP.
Características excepcionais. Período clandestino- logrou resistir e subsistir, com cinco anos de interrupção, entre 1931 e 1941, num Estado policial e censório. Conta com dois mártires-maiores: José Moreira, tipógrafo e distribuidor, assassinado por defenestração na sede da polícia política, em Lisboa/1950; Dias Coelho, ilustrador do jornal e artista plástico, abatido à saída de uma tipografia clandestina, em Lisboa/1961. O Avante! produziu-se em 79 tipografias móveis. É considerado, na literatura de resistência do PCP, um dos jornais que, a nível mundial, mais tempo sobreviveu na clandestinidade. Foi o único jornal de difusão nacional que não se sujeitou à Censura/Exame Prévio. Período legal: o seu lendário clandestino suscitou uma procura inédita: Maio de 1974.
Conservação das colecções e serviços de documentação: Rua Soeiro Pereira Gomes.

DOSSIER DE IDENTIDADE

Sociedade anónima/Editorial Avante (100% PCP). Capital social: 125.000 Euros.
Integra-se num microgrupo mediático: Editorial Avante SA. Inclui o semanário Avante!, o mensário Militante, edições periódicas e não-periódicas.
Não inclui capitais estrangeiros.
Vendas: 19.000 exemplares. Resultado/proventos anuais: 900.000 Euros. Custos: 890.000 Euros. Fonte: Administração/ Editorial Avante SA.
Não tem gráfica própria, embora a Heska tenha tido conotações com a RDA/PCP. No entanto, a Heska apenas se incumbe da composição. A impressão processa-se na Lisgráfica.
O papel é nacional. Já na clandestinidade tinha origem nacional, provindo essencialmente de armazenistas próximos do PCP. A quantidade em stock, em 1974, responderia a necessidades de muitos anos.
Não possui distribuidora. Utiliza a Deltapress, que coloca outras publicações.
Vendas: proporção-13.000, tarefa militante; 3.000/4.000, nas bancas; 3.000, assinaturas.
Distribui um número reduzido de exemplares gratuitos (intercâmbio com outras publicações e relações internacionais no quadro partidário).
Recurso humanos efectivos: 16.
Não admite estagiários.
Colaboradores permanentes: 12. Rubricas nacionais e internacionais. Perfil sócio-profissional: jornalistas, professores universitários, escritores.
Correspondentes no estrangeiro: Reino Unido (1); Alemanha (1); USA (1); América Latina (2). Nota sintomática: não tem correspondente na Rússia.
Colaboradores e correspondentes não são remunerados. O serviço é valorizado como dádiva ideológica.

1. Projecto de Resolução Política do Comité Central do PCP/Conferência Nacional, 22/06/2002.
2. Avante!, editorial, 17/02/2000.
3. 60 Anos de Luta, edições Avante, 1982.
4. Léonard, Yves, Salazarismo e Fascismo, Inquérito, 2002.
5. Ricoeur, Paul (1913-2005). Obras de contextualização: A Metáfora Viva, Rés-Editora, 1983; O Discurso da Acção, Edições 70, 1988; Ideologia e Utopia, Edições 70, 1991; A Crítica e a Convicção, Edições 70, 1997; O Conflito das Interpretações, Rés-Editora, 1998.

* Escritor/jornalista.»
Fonte: Jornal Avante

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