«"World Peace is None of Your Business"
Há precisamente um ano o mundo esperava pela chegada Autobiografia de Morrissey. Com edição portuguesa marcada para o final de 2014 (pela Marcador, com tradução de Pedro Gonçalves), o livro não só confirmou a excelência da escrita do autor como nos deu olhares nunca antes tão profundamente explicados da sua infância e adolescência, da sua descoberta da música e dos livros ou das origens dos Smiths, aqui e ali juntando pontos de vista sobre temas, acontecimentos e discos que dele fizeram um dos maiores escritores de canções de sempre.
World Peace In None of Your Business representa o seu primeiro lançamento em álbum após as revelações da autobiografia. E nem que apenas por isso mesmo, por ser o primeiro novo conjunto de canções que nos mostra depois de nos dizer, de sua viva voz (e como nunca antes o fizera), quem é, o que conta e pensa, é um álbum que podemos escutar com outra consciência de quem o criou.
Na verdade, e depois da autobriografia, Morrissey tinha lançado um single com uma versão sua de Satellite of Love, de Lou Reed. Mas neste novo disco mostra-nos caminhos (sobretudo na música) que em muito vão para lá do corpo das suas referências históricas, experimentando não apenas espaços de outras geografias (nomeadamente as já muito faladas sonoridades latinas ou orientais) como até mesmo ensaiando modelos de arranjos com um interesse sonoplasta, ocasionalmente gerando instantes de surpresa como em tempos encontrara na sequência de abertura de Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me, uma das canções de formas mais elaboradas na obra dos The Smiths.
Se bem que este novo disco não seja necessariamente expressão de um focar de atenções numa geografia concreta, em World Peace is None of Your Business Morrissey visita de várias formas a cultura espanhola, seja por citações musicais (de dedilhados de guitarra acústica a formas latinas presentes em alguns arranjos) ou quando fala de toureiros. Estas presenças são mais evidentes que as que Ringleader of the Tormentors (2006) fez relativamente a Itália, onde Morrissey gravou esse seu oitavo álbum de originais, mas não fazem do disco um álbum latino nem mesmo espanhol, já que musicalmente as referencias que visita são aqui mais vastas que nunca.
Se musicalmente este é um dos álbuns mais inesperados na obra a solo de Moorrissey (como que, depois da “autobiografia” explicada pudesse dizer, “e agora algo completamente diferente”) e, podemos acrescentar, um dos mais intrigantes e sedutores, tematicamente é mais um firme episódio num corpo de trabalho sólido e coerente. Fala-nos de Allen Ginsberg, dos modelos de masculinidade (como seres carnívoros, agressivos ou mulherengos nos quais não se reconhece ou dos direitos dos animais, fechando o alinhamento com o magnífico Oboe Concerto onde aborda o envelhecimento, olhando uma geração mais velha que partiu, dizendo como está agora a tomar o seu lugar na mesma fila de espera. Aos 55 anos, e numa altura em que escreve o seu primeiro romance (como revelou o Guardian), Morrissey é um veterano a viver mais um momento de pico de forma.
Este texto é uma versão editada de um outro publicado na edição de 14 de julho do DN com o título 'Novo álbum revela Morrissey em pico de forma'.»
Fonte: Sound + Vision
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