sexta-feira, 12 de junho de 2015

FAQ SOBRE A TAP

Interessante este artigo mas mais interessante é lermos os comentários que arrasta atrás do mesmo. Por isso os transcrevo para aqui.

«Dado que o leitor curioso não conseguirá encontrar nos media tradicionais mais do que sound bites histriónicos do estilo "Estado recebe amendoins pela venda da TAP", que em nada o esclarecerão, deixo aqui uma lista de questões frequentes sobre a TAP:

1. A TAP foi vendida por 10 milhões de Euros. Um A320 da TAP vale mais do que isso.

A TAP, ou melhor, 61% da TAP, foi vendida por 354 milhões de Euros, sendo que 344 milhões serão injectados na TAP SGPS para suprir os capitais próprios negativos. Líquido para o Estado, para já, são os 10 milhões.

Mas o Estado liberta-se também dos mil milhões de dívida, avalizados pelo contribuinte, do passivo da TAP SGPS, S.A. Isto significa que, se por algum motivo a TAP declarar bancarrota (tecnicamente já está falida), então esses mil milhões não sairão do bolso do contribuinte, mas sim do comprador.

(Adenda: o processo visa alienar 100% da empresa, altura em que os 100% de dívida serão efectivamente transferidos para o comprador. Actualmente, com a cedência de 61% do capital, o comprador assumirá, dependendo do acordo parassocial, uma quota dessa dívida, que deverá ser proporcional ao capital detido. Ou seja, se a TAP falisse agora, e admitindo que a % de capital pertence à % de dívida avalizada, o Estado ainda teria de assumir 39% da dívida.)

É importante ter também em conta como se avalia uma empresa. A situação actual da TAP é a seguinte: se a TAP vendesse todos os seus activos, incluindo aviões, sede, filiais, direitos sobre rotas, etc. e pagasse o seu passivo, isto é, dívidas a credores, indemnizações aos trabalhadores, etc., continuariam a faltar 500 milhões de Euros. Isto é o capital próprio da empresa, o que resulta depois de vender os activos e liquidar o passivo. Ou seja, um A320 vale mais do que 10 milhões, mas não chega para pagar toda a dívida que a empresa acumulou.

2. O Governo podia ter capitalizado a TAP.

A TAP tem 500 milhões de capitais próprios negativos, que resultam de um historial de prejuízos, que foi significativamente melhorado desde a chegada do Fernando Pinto. Se hoje os capitais próprios fossem 0, para o ano a TAP voltaria a ter capitais próprios negativos fruto dos prejuízos da operação como um todo.

Admitindo que o Governo dispunha dos 500 milhões para capitalizar (temporariamente) a TAP — por exemplo cortando na Saúde, na Educação, na Cultura ou na Segurança Social, ou aumentando impostos —, o problema continuaria a não estar resolvido. A TAP precisa de abater a dívida actual, que a onera com prejuízos financeiros, e precisa de um forte investimento.

3. Mas a TAP tem lucros operacionais!

Sim, a TAP, SA tem lucros operacionais, mas faz parte de uma holding, a TAP SGPS, SA, que tem um enorme passivo e capitais próprios negativos fruto da aquisição da operação terrestre no Brasil.

Se o Governo apenas vendesse a TAP, SA receberia mais do que 10 milhões, mas ficaria com a dívida de mil milhões nas suas mãos. No jargão que alguns gostam de usar, privatizaria os lucros e ficaria com os prejuízos. Ficando com a TAP, SA e tentando vender o resto, então nesse caso ainda teria de pagar para se ver livre da SPdH, SA e da manutenção do Brasil, que dão prejuízos crónicos.

4. Havia outras alternativas

Há sempre, são é piores.

— A recapitalização que a TAP necessita em muito excede o necessário para suprir os capitais próprios negativos. A TAP precisa de uma nova frota e de capital para novos investimentos. E precisa de economias de escala, algo que só conseguirá aliando-se a outra companhia aérea. Para além disto, uma recapitalização implicaria desviar 2 a 3 mil milhões de Euros de uma outra rubrica do Orçamento do Estado. Da saúde? Da educação?

— A liquidação implicaria pagar a dívida remanescente e vender todos os activos. Feito isso, ainda seriam necessários 500 milhões de Euros extra, dado que a venda dos activos não cobriria todo o passivo da TAP SGPS, SA.

5. Mas o Governo disse que a dívida pode reverter para o Estado (Parpública) em condições especiais

Isso poderá acontecer em dois cenários: 1) se o contrato for revertido porque o comprador foi incapaz de liquidar ou reestruturar a dívida bancária; 2) se alguém, como o PS ameaça, reverter o negócio.

6. Se a VEM dá prejuízos crónicos, porque não assumi-lo e liquidá-la?

A operação de manutenção terrestre do Brasil (Varig Engenharia e Manutenção) tem dívida e prejuízos acumulados. Liquidá-la custaria sempre dinheiro. Ora, o objectivo do Estado era livrar-se de encargos futuros com a TAP. Neste caso, ainda conseguiu um encaixe positivo. Acresce ainda que a TAP e a própria VEM beneficiarão de economias de escala que ganhará aliando-se a outra empresa de aviação (alguns aviões da Azul poderão ser servidos pelo VEM). Permanecendo no Estado, tal seria menos provável.

Notas: 1) questões que não estejam aqui respondidas poderão deixá-las na caixa dos comentários, e logo que possível serão acrescentadas. 2) podem linkar directamente para uma das questões colocando #q e o número da questão a seguir ao URL. Exemplo: http://oinsurgente.org/2015/06/12/faq-sobre-a-tap#q3. 3) imagens retiradas deste instrutivo artigo de Sérgio Palma Brito e validadas pelos dados dos Relatórios de Contas e Demonstração de Resultados da TAP, SGPS.»

Comentários

«Luís Lavoura em Junho 12, 2015 às 14:16 disse:
o Estado liberta-se também dos mil milhões de dívida

Liberta-se? Tem a certeza?

Eu já vi, em jornais, diversas dúvidas sobre este ponto. O comprador da TAP assume na totalidade as dívidas, ou não as assume? Esse é um ponto delicado, que depende do acordo de venda que tenha sido feito.

Creio que é perfeitamente possível que o comprador da TAP se recuse a assumir a dívida da empresa na sua totalidade.


Mário Amorim Lopes em Junho 12, 2015 às 14:17 disse:
Excepto em circunstâncias muito excepcionais, que não estão elencadas, é que a dívida não é assumida pelo comprador.


TS em Junho 12, 2015 às 14:29 disse:
Já agora gostava de saber porquê que a Manutenção no Brasil foi comprada e porquê que dá sempre prejuízo? A compra esteve relacionada com o facto do Fernando Pinto também ser brasileiro?

TS


Carlos Miguel Sousa em Junho 12, 2015 às 14:38 disse:
O estado liberta-se da divida ? Sob circunstâncias muito especiais ?

Talvez quando vender a TAP a 100% se conseguir vender os 39% que faltam com a divida.


Basico em Junho 12, 2015 às 14:40 disse:
E importante perceber que o Fernando Pinto nao melhorou as resultados da TAP, so os tornou mais volateis. As perdas de 209 milhoes em 2008 (que aconteceram porque ele decidiu nao cobrir o risco de subida do preco do petroleo) excedem em muito todas as perdas acumuladas nos 10 anos precedentes…


Miguel Noronha em Junho 12, 2015 às 14:50 disse:
Já agora. A compra da VEM foi feita sem o aval das finanças. O Mário Lino, o ministro das obras públicas na altura disse que não era preciso.


Mário Amorim Lopes em Junho 12, 2015 às 14:54 disse:
Complementando o Miguel, convirá referir que o secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, Costa Pina, ficou incomodado com o facto do Ministério das Finanças não ter sido consultado.


darksantacruz em Junho 12, 2015 às 15:28 disse:
Mário os meus parabens a um artigo tão bom a restante comunicação social tem a grande tendência de ocultar os pormenores. Espero que continue assim. Os meus cumprimentos. Eu como contribuinte não quero que a TAP continue no estado com uma divida de mil milhoes de euros ou se quiser com um passivo de 550 milhoes de euros pois certamente só existe uma entidade que pagaria esse bolo: Estado = contribuinte!


Joao em Junho 12, 2015 às 15:38 disse:
Quem deu a ordem, de vender pore esse preco, voce ade notare que eles tem a ganhare com isso. Seguire o dinheiro, e axareis a que ganha co issio. A custa de o povo??


S. D. em Junho 12, 2015 às 15:59 disse:
soundbites, não soundbytes


miguel em Junho 12, 2015 às 16:17 disse:
aqui falam um pouco desses “complexos” mecanismos. Espero que não sobre para nós e para o nosso dinheirinho via impostos. Querem tentar dissecar o que o artigo pouco diz? Porque, na realidade, atiram “mecanismos complexos” para o ar, mas não os detalham minimamente a não ser no caso da reversão do negócio, onde a “trasladação” da dívida faz sentido: volta para o dono.

http://auma.economico.sapo.pt/noticias/estado-pode-desfazer-negocio-da-tap-se-tiver-de-pagar-divida-bancaria_220874


miguel em Junho 12, 2015 às 16:20 disse:
E eu estou mais a falar no caso prático inverso, em que o Anafado Costa ganha hipoteticamente as eleições, não no caso a que o artigo faz menção: “estado pode desfazer negócio se tiver de pagar dívida bancária”. Aqui, parece-me óbvio: se o Estado tiver de pagar a dívida, sempre é preferível ficar também com os activos ...


JP-A em Junho 12, 2015 às 16:37 disse:
A razão de ser das reuniões de desespero intituladas “o futuro do jornalismo” ou similares também assenta na falta deste tipo de trabalho, que uma parte dos ditos jornalistas já quase não faz porque não quer, não sabe, não pode, ou simplesmente porque são manhosos intervenientes políticos. Depois dizem que a culpa é da Internet. Mas não. A culpa é da aldrabice crónica na tola, que produz títulos a dizer que aquilo só custou 10 milhões e ponto final. A imbecilidade é tanta que nem se percebe como é que os gajos não pegam na pechincha. E no parlamento é a mesma porcaria. Ainda há minutos um deputado daquele partido que a gente sabe “apanhava” o Governador do BdP em mentira, porque tinha de memória que a explicação anteriormente dada à sua pergunta tinha sido outra, logo retirando conclusões de um modo nunca aplicável a filósofos, que beneficiam de enormes dúvidas e sólidas presunções democráticas de inocência. O homem em julgamento lá lhe respondeu educadamente que não havia mudança, porque o que tinha acontecido era que a tal outra explicação apresentada pelo deputado era apenas uma das duas razões então apresentadas, que incluía a referida como única. O deputado ouviu e continuou com a pergunta seguinte como se nada tivesse acontecido. E nem pareceu que o senhor Governador tenha ficado com as pernas a tremer.


JS em Junho 12, 2015 às 17:21 disse:
Bom trabalho MAL.
A TAP (a venda da) terá sido dos temas que mais cidadãos tocou nestes últimos anos.

Consequentemente poucas vezes se vê tanto envolvimento do cidadão comum e tanto comentário. E houve, há, de tudo: letrados, inócuos, ridículos engajados a uma linha partidária, pueris, inocentes na linha “nacionalista” (qué dela?). De tudo. Mas houve….

Este eleitorado já não é o mesmo, o que era no 26 de Abril. O tal que votou na “mãojinha”.

Será que nas próximas eleições haverá reflexos de este acordar para a gestão das coisas (os dinheiros) públicas?


ricciardi em Junho 12, 2015 às 17:28 disse:
Não consegui descortinar se o endividamento da Tap está avalizado pelo estado. Deve estar, pelo menos parte dele. O ministro não esclareceu isto.
.
Se houver aval do estado, vender parte das acções da empresa não retira o aval prestado. Excepto se os credores com essas garantias autorizem.
Convinha esclarecer isto. Se a Tap falir, e se houver avales do estado, o contribuinte entra pela madeira dentro.
.
Rb


Mário Amorim Lopes em Junho 12, 2015 às 17:43 disse:
ricciardi, o que escrevi a esse respeito decorre das declarações oficiais — que o aval bancário será transferido [da Parpública] para a TAP SGPS, SA. Claro que não podemos ignorar que um dos grandes credores seja a CGD…


Vitor Santos em Junho 12, 2015 às 17:52 disse:
Pergunta: Se a VEM dá prejuízos crónicos, porque não assumi-lo, fechar a empresa, vender os ativos e assumir o restante da dívida (que seria paga nos anos seguintes com os lucros da TAP)?


Ricardo em Junho 12, 2015 às 17:53 disse:
Ao caro Basico,
pode ver aqui um histórico de resultados da TAP SA.
http://sergiopalmabrito.blogspot.pt/2012/09/tap-air-portugal-compreender-uma.html.
O Fernando Pinto está lá desde final de 2000. Como pode ver, há uma melhoria consistente entre o antes (prejuizos consistentes) e o depois (alternância de lucro e prejuízo)
Claro que isto não é uma comparação completamente honesta. Até aos meados dos anos 1990, a TAP era uma empresa de serviço público, é natural que tivesse prejuízo.

Ao caro TS,
a M&E Brasil foi comprada porque na altura parecia uma boa oportunidade de expandir o negócio de M&E da TAP, que dá lucro mas tem tido dificuldades de crescimento, em boa parte devido à falta de espaço na Portela.
Claro que depois se revelou um sumidouro de dinheiro.


Tiro ao Alvo em Junho 12, 2015 às 17:55 disse:
Escreveu que “A TAP foi vendida por 354 milhões de Euros”, mas eu penso que deveria ser mais preciso, escrevendo que “60% das acções da TAP foram vendidas por 354 milhões”.
Este esclarecimento parece-me importante uma vez que, se as coisas correrem bem, o Estado pode, mais tarde, alienar as acções que ainda ficaram em seu poder, e embolsar mais umas massas. Ou estarei enganado?


Mário Amorim Lopes em Junho 12, 2015 às 18:10 disse:
Está correcto, Tiro ao Alvo. Obrigado pela nota. Vou rectificar.


João Vasco em Junho 12, 2015 às 18:37 disse:
uma low cost com aviões a hélice e uma empresa de camionagem compram uma companhia aérea que faz voos intercontinentais à mais de 50 anos. Será credível?


Mário Amorim Lopes em Junho 12, 2015 às 18:46 disse:
João Vasco, a Azul tem 63 Airbus A330 encomendados, e a maior parte da frota são Embraier 195, que como poderá comprovar, usam turbinas e não hélices. E a Portugália também tem uns quantos aviões a hélice…

http://pt.wikipedia.org/wiki/Frota_de_aeronaves_da_Azul_Linhas_A%C3%A9reas_Brasileiras


Miguel em Junho 12, 2015 às 18:50 disse:
e o grupo barraqueiro dá lucro, consistentemente. Camionagem é um termo do passado, igualmente.


Diogo Silva em Junho 12, 2015 às 18:55 disse:
Boa tarde Mário,

Excelente artigo, mas há um pormenor na analise das contas, em particular o Lucro Liquido Acumulado. As contas que apresentam incluem a SPdH (empresa de Handling mais conhecida como Groundfource) e se vir os gráficos a SPdH dava sempre prejuiso até ter sido comprada pela Urbanos. O ano passado já deu lucros. Isso explica-se porque havia cosmetica nas contas, na verdade a TAP, SA não pagava a grande maioria dos serviços de Handling e por isso dava lucro operacional, penalizando a operação da SPdH. Espero não me ter enganado.

Importante: sempre que a SPdH esteve fora da esfera TAP deu lucro. Outra coisa importante discutir e que já foi previamente afirmada é o manifesto erro estratégico que foi a compra da VEM. Essa história irá ser contada no futuro com mais detalhe, seguramente.


João Vasco em Junho 12, 2015 às 18:58 disse:
Corrijo: uma low cost com 63 Airbus A330 ainda em fase de encomenda e por pagar e uma empresa de transporte urbanos compram uma companhia aérea que faz voos intercontinentais à mais de 50 anos. Será credível?


Nuno em Junho 12, 2015 às 19:11 disse:
Chamar hélice a um turboprop revela logo um elevado grau de conhecimento aeronáutico.


Basico em Junho 12, 2015 às 19:39 disse:
Caro Ricardo, a melhoria e infima,

No periodo 1992 a 2001 a TAP SA perdeu 165 milhoes de euros.

Na decada de 2001 a 2011, com o Fernando Pinto, um gajo que vem do Brasil pago a peso de ouro, a TAP SA perdeu mais ou menos 100 milhoes de euros.

Se analisar a TAP SGPS, os numeros sao muito piores.

Se se juntarem os dados da TAP SA ou TAP SGPS apos 2011, os numeros sao muito piores .

Aquilo e um sorvedouro de dinheiro, uma maquina de enriquecimento do staff que para la anda a encher os bolsos.

O Pinto foi e e um gestor de mrxda, um jogador de casino. A TAP deve ser das poucas companhias aereas que nao faz cobertura de risco do preco de petroleo. O facto do gajo ganhar 500 ou mais mil euros e apresentar resultados e uma gestao financeira deste calibre so me faz rir.

Nao sei se o pior da TAP sera o pessimo management, ou o corporativismo do staff. Seja como for, ja quase que nos livramos do mono, demos gracas a Deus!»

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