«A conquista e as tristezas de Iúri Gagárin
12 de abril de 2016 IAN CHENKMAN, GAZETA RUSSA
O voo do primeiro cosmonauta a bordo da nave Vostok não só entrou para a história como também teve uma influência fatal sobre a sua vida.
As pessoas perguntavam muitas vezes a Iúri Gagárin, o primeiro cosmonauta, se ele tinha visto Deus no cosmos. "Mais um pouco e quase que conseguia ter um encontro com Ele", dizia Gagárin.
Pelo menos duas situações quase custaram a vida ao primeiro cosmonauta durante aquele voo. Uma delas foi durante um pouso e a outro em órbita. Gagárin recordaria mais tarde: "Eu decidi não comunicar à terra, não espalhar o pânico."
Ele sabia perfeitamente qual era a grandeza do risco. Antes do voo, foram lançados manequins para a órbita quatro vezes. Um deles não voltou, informação que foi mantida em absoluto sigilo. Mas todos compreendiam que tratava-se de algo mortal: até o dia 12 de abril de 1961, um homem que decidisse dar um passeio espacial seria considerado um kamikaze até mesmo pelos cientistas.
Mas Gagárin fazia parte de uma geração de soldados que não tinha lutado, de crianças do tempo da guerra, que sonhavam com proezas e sacrifício. O cosmos lhe oferecia a chance de realizar o seu sonho. O voo na nave Vostok durou 108 minutos, o suficiente para Gagárin retornar à terra como uma estrela de escala mundial.
Imagem moral e política
Gagárin, juntamente com outros nove candidatos a herói, treinava na Cidade das Estrelas, onde ficava o Centro de Preparação de Cosmonautas. Eles eram treinados para suportar a solidão, a exaustão física e a dor. Ter saúde de ferro era um dos requisitos obrigatórios. Gagárin lembrou: "Os médicos batiam com um martelinho em cada osso, verificavam o funcionamento de cada órgão –desde o coração ao aparelho vestibular."
Depois vieram os testes sem fim durante os quais uma voz em fones soprava intencionalmente aos sujeitos testados as respostas erradas. Eles eram ensinados a contar apenas consigo mesmos em situações extremas.
Gagárin não se destacava entre os demais candidatos por nenhum talento especial. Tinha porte atlético, estatura pequena, era muito ativo, com boa coordenação. No entanto, os testes não se limitavam ao treinamento físico. O general Kamanin passava bastante tempo com os futuros cosmonautas. Ele trabalhava diligentemente o seu caráter moral e político. O jornalista Iaroslav Golovanov recorda Kamanin como "um homem sem senso de humor". Mas todos sabiam que o voo espacial era um evento ideológico e que mesmo se você não gostasse do chefe, teria que viver com isso.
Aleatório
É difícil avaliar porque a escolha recaiu precisamente sobre Gagárin. Podemos apenas pressupor que Nikita Khruchov teria ficado impressionado com a aparência rústica e pouco intelectual deste homem do interior da Rússia. A pessoa escolhida para ser o primeiro cosmonauta se tornou automaticamente uma figura pública, a "cara do país". Pelos vistos, Khruchov imaginava o rosto da União Soviética precisamente assim: aberto, confiante em sua própria força, um pouco bobo.
Além disso, Gagárin era, de fato, um bom piloto, um homem corajoso, que levava a preparação muito a sério: ficava horas treinando nos simuladores, fazia exaustivas corridas todas as manhãs. Sua entrega era total. Outra coisa é que bons pilotos e pessoas ambiciosas no início dos anos 60 era coisa que não faltava. A escolha poderia recair sobre qualquer um dos outros.
Estrela cadente
Após o voo, o major Gagárin viajou sem parar pelo mundo, glorificando o estilo de vida soviético. Duas habilidades eram exigidas dele nessas viagens: a capacidade de beber uma quantidade ilimitada de álcool e a habilidade para fazer brindes. Em diferentes momentos de sua vida, os companheiros de copos de Gagárin foram atores famosos, escritores, chefes de governo e até mesmo a rainha da Inglaterra.
Quando as viagens pelo mundo terminaram, Gagárin se encontrava em uma condição psicológica muito debilitada, que é bem conhecida de ex-atletas, cantores e atores: depressão, confusão, sensação de sua inutilidade. O carro pessoal, o confortável apartamento e outros benefícios que o Estado disponibilizara para Gagárin não conseguiam compensar a energia despendida, não o ajudavam a sair do estresse. Ainda há pouco tempo o mundo abria a boca à sua passagem e agora ele se tornara irrelevante. Essas pessoas necessitam de programas especiais antiestresse, mas esses programas só viriam a ser desenvolvidos décadas depois do voo de Gagarin.
Incidente em Foros
Incapaz de sair da depressão, Gagárin começou a beber e a se comportar de forma inadequada. Rumores sobre suas escapadas alcoólicas circulavam pelo país inteiro. A história de bebida mais famosa com Gagárin aconteceu em Foros, um resort no mar Negro.
Depois de perder a consciência, ele se lançou de uma varanda. Ao cair, machucou seriamente cabeça e o osso do rosto, o que o obrigou a passar um mês no hospital. Ficou com uma cicatriz em cima da sobrancelha esquerda e, então, "a cara do país" foi submetida a uma cirurgia plástica à qual naquele tempo se podiam dar ao luxo apenas as estrelas de Hollywood.
Nas fotografias de meados da década de 60, o primeiro cosmonauta aparecia com um ar entristecido, já não se via aquele seu sorriso encantador que o mundo lembrava dos dias do histórico voo. Ele foi nomeado comandante do corpo de cosmonauta e, em junho de 1966, começou a treinar para o programa Soiúz. Parecia que o segundo voo não estaria assim tão longe. Mas ele continuava sem conseguir se recuperar, bebia muito, andava triste e falava para os amigos que sua carreira tinha terminado.
O último voo
Nos últimos anos de sua vida, ele voava constantemente. Quase todos os dias ia para o aeródromo de Tchkalovski e se sentava no cockpit de um MIG. Um destes dias se tornou o seu último. Ao realizar um voo de treinamento, Gagárin sofreu um acidente, e o avião caiu. Corriam rumores de que ele teria ido voar bêbado. Mas existiam outras versões: de assassinato e de suicídio.
Na Hungria, foi lançado um livro que afirmava que o primeiro cosmonauta não foi de modo algum Gagárin, mas outra pessoa. Devido a essa mentira, assegurava o autor do livro, Gagárin sofreu toda a vida e, no final, decidiu se matar. Já o semanário “Sovercheno Sekhetno” (“Top Secret”) apresentou a versão segundo a qual Gagárin não teria morrido, mas era mantido em um hospício por ter se rebelado contra a política de Brejnev.
Por fim, a profetisa búlgara Vanga afirmava que Gagárin não havia morrido, mas "levado para o céu". No entanto, ela nunca decifrou o que isso queria dizer. Todos esses rumores e versões eram um sinal de que Gagárin foi, realmente, uma figura lendária. Por razões não totalmente compreendidas, até meio místicas, a ele calhou ser o primeiro. Mas a verdade é que a felicidade de Gagárin não aguentou isso.»
Fonte: Gazeta Russa
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