DINIS DE ALMEIDA - 7 de Julho de 1944 - 16 de Maio de 2021
UM ROSTO DA UTOPIA por Elisa Costa Pinto
«Morreu hoje, mas como ele é mais do que ele, o seu rasto nas vidas de muitos - na minha vida - ficará sempre colado à imagem do rosto jovem e ousado do capitão de Abril, o insurrecto do RALIS, que encantava só por estar ali e ser fiel a si mesmo. "Fittipaldi dos chaimites" chamavam-lhe ironicamente, porque era jovem e belo e sedutor, pecado em tempos de cólera, agora reinventado. Mas é assim que o recordo. E também, claro, nas muitas conversas na 'Tendinha da Espera', no Bairro Alto, já a utopia tinha ido pelo cano e procurávamos reinventá-la nos livros, na pintura, na música, em todos os lugares que nos permitissem a fala.
Eu estava na Faculdade quando aconteceu o 25 de Abril. Quando ali entrei, ainda em ditadura, o primeiro momento iluminador foi uma aula, talvez a primeira, com o professor Lindley Cintra, sobre o conceito de distinção entre língua e fala, segundo Saussure. Hoje pode parecer banal, mas aquele momento de tomada de consciência de que a língua é uma entidade de pertença social e colectiva, um código, uma possibilidade, de certa forma uma passividade, uma inexistência, enquanto a fala é a realização, a voz individual, o poder da palavra em acção foi uma verdadeira epifania. É claro que veio depois o Chomsky e a sua equação competência e performance, a sociolinguística e a filosofia da linguagem e caminhos divergentes que reviram, actualizaram ou rejeitaram a dicotomia de Saussure, mas para mim, ficou sempre aquele registo de caminho inaugural: eu tenho à minha disposição uma língua que posso usar na minha fala, quando quiser.
Vem isto a propósito de DINIS DE ALMEIDA e do golpe do 25 de Novembro que foi, disso tenho a certeza, o golpe contra o direito à fala, individual e colectiva, que o 25 de Abril tinha instaurado e que nós tínhamos agarrado e exercíamos com uma surpreendente desenvoltura. As ruas eram enxurradas de fala, as praças era palcos de fala, as fábricas, os campos, as escolas, todos os lugares eram lugares de fala. A língua portuguesa – essa pátria sonolenta de Bernardo Soares apenas viva na Literatura – acordava e ganhava na fala /nas falas uma vida nova, poderosa.
Foi contra esse imenso e prodigioso poder da fala que o golpe de estado foi desferido e esse ataque teve o seu momento simbólico no silenciamento público da voz de um outro capitão de Abril, Duran Clemente que, nesse dia na RTP, tinha ao peito o autocolante do PODER POPULAR / o poder da fala, desenhado pelo surrealista Vespeira.
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Lembremos: O JURAMENTO DO RALIS (#REGIMENTO DE ARTILHARIA DE LISBOA, COMANDADO POR DINIS DE ALMEIDA)
"Nós, soldados, juramos ser fiéis à Pátria e lutar pela sua liberdade e independência. Juramos estar sempre, sempre ao lado do povo, ao serviço da classe operária, dos camponeses e do povo trabalhador. Juramos lutar com todas as nossas capacidades, com voluntária aceitação da disciplina revolucionária, contra a Fascismo, contra o Imperialismo, pela Democracia e Poder para o Povo, pela vitória da Revolução Socialista!"
Este juramento, que ficou na história do PREC, foi pronunciado em 21 de Novembro de 1975, por 170 recrutas do RALIS. O texto, dito por um coro arrepiante de vozes poderosas, ficou como um eco da utopia perdida, quatro dias depois. Viria a ser anulado por despacho, a 8 de Dezembro, com o argumento de ser lesivo “da disciplina militar ”. »
Concordo com o texto e em particular com as considerações sobre o Diniz de Almeida de quem era amigo e acompanhei durante e após a revolução dos cravos.
ResponderEliminarTenho ligo com gosto os outros artigos aqui neste blog.
Tenho vários blogs http://memoriasdopresente.blogspot.com/ ; http://puxapalavra.blogspot.com/ mas ultimamente tenho-me entretido mais com o Facebook. Bom trabalho!