Do início da luta armada nas antigas colónias à morte de um traidor-herói
Há 60 anos, a 4 de Fevereiro, jovens ligados ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) atacaram a cadeia de S. Paulo e a Casa de Reclusão, em Luanda, visando libertar nacionalistas angolanos encarcerados pela polícia política colonialista, além de um posto da PIDE e da rádio oficial de Angola. Estavam armados com paus e catanas.
Esta acção simboliza o desencadear da luta armada de libertação nacional nas então colónias portuguesas africanas, que conduziu à independência de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe após a Revolução dos Cravos de 1974.
Para Angola, o governo fascista português enviou milhares de soldados a partir de 1961.
Sucederam-se os massacres cometidos por colonos e pela tropa colonial, a guerra alastrou rapidamente e foram abertas várias frentes militares. Além do MPLA, combateram ainda a UNITA e a FNLA.
Na Guiné, o PAIGC, criado em 1956, optou pela via armada depois do massacre de Pidjiguiti (em 3 de Agosto de 1959), instalou-se em 1960 em Conacri e desencadeou a luta armada em Janeiro de 1963.
Em Moçambique, a Frelimo iniciou a luta armada em 1964, no Norte, nas províncias do Niassa e de Cabo Delgado, abrindo assim a terceira frente da guerra que o regime colonial-fascista português vai travar.
Durante os 13 anos de guerra (1961-1974), o colonialismo português, apoiado pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França e directamente pela NATO, cometeu crimes hediondos contra os povos africanos em luta – massacres de populações com bombardeamentos aéreos indiscriminados; destruição de aldeias e plantações com utilização de bombas de napalm e de desfolhantes químicos; prisão, tortura e assassinato de patriotas suspeitos de “terrorismo”; invasão de países independentes acusados de apoiar os guerrilheiros (Guiné-Conacri, Tanzânia, Zâmbia, entre outros); assassinato de dirigentes como Eduardo Mondlane, em 1969, e Amílcar Cabral, em 1973.
Em Portugal, o regime fascista de Salazar explorou e oprimiu o povo, perseguiu, prendeu e torturou democratas que combatiam a ditadura e enviou para a guerra cerca de um milhão de jovens, 10 mil dos quais morreram. Regressaram vários dezenas de milhares com traumatismos mentais e físicos.
A guerra terminou enfim, com a implantação da democracia em Portugal, a 25 de Abril de 1974, levada a cabo por um golpe organizado por oficiais portugueses, que estiveram nas colónias e organizaram o Movimento das Forças Armadas (MFA), golpe que rapidamente se transformou em revolução com o apoio do povo e das forças progressistas do país.
Foi igualmente o 25 de Abril que abriu caminho para a resolução do problema colonial e o novo governo instalado reconheceu o direito de todos os povos à autodeterminação e independência.
As reacções à morte por covid-19, dia 11 de Fevereiro passado, do tenente-coronel Marcelino da Mata, militar das Forças Armadas do Estado Novo, aos 80 anos, os elogios pela sua “bravura” e “heroísmo”, o seu funeral a que assistiu um grande número de personalidades – mesmo em tempos de pandemia -, entre os quais o Presidente da República do Portugal democrático (não do Estado Novo), a aprovação de um voto de pesar pela Assembleia da República, têm vindo a suscitar grande polémica entre os portugueses.
Como em todas as guerras, cometeram-se nas colónias autênticos crimes de guerra que a Convenção de Genebra condenaria à luz dos códigos morais e militares. Pode-se afirmar que os crimes são da natureza da guerra, embora o crime maior esteja na existência da própria guerra.
Mas Marcelino da Mata - um sargento guineense com má formação ética e moral que se alistou no exército colonial português para combater os seus irmãos que integravam o PAIGC - é autor de muitos e variados crimes, defendendo-os e vangloriando-se deles.
Segundo observadores que o conheceram, o militar em questão fazia gala em contar os seus feitos no grupo de Comandos que integrava, nas mais de 2.400 operações em que participou: ora de atirar granadas incendiárias para as palhotas e, depois, matar todos os homens, mulheres e crianças; ora de não entregar prisioneiros à PIDE, matando-os com as suas próprias mãos; ora gabando-se dos crimes que ele próprio e os outros portugueses invasores perpetraram, com o ataque a Conacri, capital da Guiné-Conacri, país independente; ora ainda com as suas participações nas operações Tridente, Mar Verde ou Ametista Real.
A glorificação de Marcelino da Mata tem fins políticos que devemos combater. Marcelino da Mata era um colonialista que integrou voluntariamente o exército colonial. Marcelino da Mata era um fascista que em democracia, no pós 25 de Abril, se ligou aos movimentos de extrema-direita a fim de a derrubar.
No Portugal democrático e depois de 48 anos de fascismo e 500 de colonialismo, a direita precisa de criar estes "heróis" para reescrever a história e se consagrar, para continuar a sua retórica racista, xenófoba, anticomunista, fazendo desaparecer o papel das vítimas do antigo regime, neutralizando lutas urgentes como as que enfrentamos, de combate à pandemia e em defesa da saúde, pela manutenção das empresas e dos empregos, por igualdade de direitos entre homens e mulheres, entre outras.
Marcelino da Mata esteve no lugar errado da História. No lugar certo estiveram os que lutaram pela independência dos seus países e os militares portugueses que saíram para a rua no 25 de Abril e ajudaram-nos a conquistar a liberdade e a paz.
Aqueles que lutaram e sofreram para que a ditadura e as guerras coloniais acabassem vêem-se marginalizados nos órgãos de comunicação e nas redes sociais controlados pela direita conservadora e pela extrema-direita. Partidos como o CDS, o Chega ou o PNR, que, pelo seu ódio à democracia, elegem figuras salazarentas e constroem os seus próprios “heróis”, com uma indisfarçável saudade de tempos passados.
Como escreveu um reputado historiador, nada disto é novidade, “é o que desde 1945 fazem as direitas extremas ao falarem de uma história dos vencedores da II Guerra Mundial, como se em Nuremberga os Aliados tivessem inventado os crimes contra a Humanidade praticados pelos nazis, como se Auschwitz fosse uma invenção dos sobreviventes dos campos, como se o fascismo fosse uma invenção dos antifascistas e os anticolonialistas tivessem inventado o colonialismo”.
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