«Francisco Louçã. Caminho para evitar a saída do euro é "cada vez mais estreito"
Louçã diz que saída do euro se vai tornando "a última solução que resta". Com o actual nível de dívida do país, "a reestruturação terá de ser brutal"
Portugal tem de começar a preparar "meticulosamente" a saída do euro. Abandonar a moeda única será o caminho "mais difícil", mas pode vir a ser o "único disponível" - o caminho para o evitar é "cada vez mais estreito".
O diagnóstico é de Francisco Louçã. Num texto publicado no boletim de Junho da Tendência Socialismo do Bloco de Esquerda, o economista e ex-coordenador do partido sustenta que, em três anos de troika, "a situação em que discutimos o euro mudou radicalmente", tornando a saída da moeda única um cenário cada vez mais presente. Louçã - que tem sido um acérrimo opositor da saída do euro - cita textos antigos para defender que mantém o que sempre disse: "A saída do euro é a pior solução e deverá ser adoptada se não houver nenhuma outra." Mas acrescenta que "esta última solução se vai tornando a única que resta" - "porque não há mutualização europeia", "se não houver reestruturação", ou se "de uma forma ou de outra, o peso da dívida não for imediatamente reduzido". Tem duas certezas: "Com o nível actual de dívida, a reestruturação terá de ser brutal." E isso será um "colossal confronto com o capital financeiro e com a União Europeia".
Para Louçã, "se se tornar necessária a saída do euro por ser a única alternativa, é preciso que ela apareça como a única resposta possível à violência da Merkel, como um levantamento nacional marchando contra os governantes teutões".
O QUE MUDOU No texto, o catedrático de Economia elenca as mudanças que agora aproximam Portugal da saída do euro. "Não houve reestruturação em 2011, que era exactamente quando devia ter havido. A dívida directa do Estado aumentou 40 mil milhões com a troika"; "Não há nem haverá mutualização europeia: o acordo entre Merkel e o SPD exclui essa possibilidade e a finança não a aceita"; "A reestruturação tem sido rejeitada pela UE e pelo PSD/CDS, como pelo PS". "Por tudo isto", conclui, invocando cálculos do Banco de Portugal, "o próximo governo será obrigado a aumentar mais os impostos ou a cortar mais as despesas sociais, cerca de 7 mil milhões de euros".
Louçã não tem dúvidas quanto àquele que deve ser o primeiro episódio para recuperar a economia do país: rasgar o Tratado Orçamental. "Entendamo-nos. Já nos deram um Hollande e foi patético. Outro não. Se alguém quer mudar o Tratado e quer mandato de governo para isso, não basta chorar o Tratado. É preciso um compromisso totalmente explícito para a desvinculação jurídica desse Tratado." Após o que Portugal "teria de impor imediatamente a reestruturação da dívida, para evitar ficar dependente da imensa força de chantagem que é o poder das autoridades europeias, que têm o controlo exclusivo do financiamento da liquidez da economia". Do que se conclui que "a reestruturação só pode ser desencadeada por um processo unilateral, admitindo negociações e pressionando-as com uma moratória, mas em braço-de-ferro".
FAZER CONTAS À REESTRUTURAÇÃO No texto, Louçã refere que está, com "alguns colegas", a "fazer as contas detalhadas do que poderia ser uma reestruturação viável". Objectivos definidos: reduzir o pagamento anual em juros da dívida 5 mil milhões de euros; reduzir a dívida directa do Estado para menos de 60% do PIB; e reduzir a dívida externa líquida de Portugal para menos de 40%.
Para lá chegar, o economista põe várias hipóteses: um corte do capital em dívida (na dívida directa do Estado) em torno de 50%, reduzindo o juro do montante remanescente a 2%; ou, em alternativa, o adiamento do pagamento "por muitos anos (para 2045-2054, por exemplo)", a um juro de 1%. "Impondo esta reestruturação aos credores privados e públicos, conseguir-se-ia baixar a dívida directa do Estado de 127% para 53% do PIB".
Mas isto não chegaria. Seria necessária "a imediata substituição de todos os bancos nacionais por novas entidades bancárias, anulando pelo menos 35% dos seus passivos". Ou seja, "os bancos devem ser nacionalizados". "Só conjugando estes dois efeitos brutais (abater o valor actual de mais de metade da dívida do Estado e anular mais de um terço dos passivos bancários) se obtém um nível sustentável das contas externas do país. Por outras palavras, para que a reestruturação resulte é preciso anular mais de 250 mil milhões de euros de dívida, muito mais do que o PIB português", considera.
Uma reestruturação da dívida a este nível traria outras exigências: "Vai ser preciso recapitalizar rapidamente o Fundo de Capitalização da Segurança Social e os certificados de aforro e do Tesouro." "Se a operação não correr como um relógio e se não obtivermos crédito externo ou interno quando necessário (cerca de 20 mil milhões para a Segurança Social e certificados), vai ser preciso emitir moeda, ou seja, sair do euro."
Este acaba por ser um desfecho provável em vários cenários. "Com o nível actual de dívida, a reestruturação terá de ser brutal", diz Louçã, acrescentando que "se (1) não houver reestruturação ou (2) este processo não for acordado com os credores, ou (3) não for a tempo ou (4) se a reestruturação não for tão radical como indicado, só nos restará recorrer à última solução, a saída do euro. A possibilidade de o evitar é cada vez mais estreita".
E DEPOIS DA SAÍDA? Defendendo que os argumentos pela saída do euro também evoluíram nos últimos anos, Louçã refere-se ao PCP para afirmar que, "ao propor que Portugal se prepare para a saída do euro, o PCP não apresentou ainda o seu programa sobre como deveria decorrer esse processo". "Não é uma questão menor", sublinha, sustentando que abandonar a moeda única trará "um mar de problemas que têm de ser trabalhados", o que até agora não aconteceu: "Os entusiastas da saída do euro nunca fizeram esse trabalho, o que me surpreende. Trataram sempre tudo como se fosse fácil." "Não é fácil, mas é viável, mesmo sem um acordo negociado com as autoridades europeias, desde que seja imposto um grande nível de reorganização da finança, do Orçamento, das relações externas e da economia no seu todo", conclui.»
Fonte: Jornal i
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