quinta-feira, 1 de abril de 2021

URSS FOME

QUANDO SE JUNTA A FOME À VONTADE DE COMER

Por Nuno Ramos de Almeida

Nas hostes do relativismo histórico em relação ao nazismo, vai um histerismo sobre o alegado "facto" dos comunistas comerem criancinhas. É uma alegria ver velhos ex-maoistas e outros companheiros de estrada a alucinarem nas catacumbas do Observador.

Depois da Primeira Guerra Mundial, da guerra civil e das lutas resultantes da colectivização da agricultura e de uma seca persistente, houve fomes generalizadas em várias regiões da União Soviética, de que resultaram alguns milhões de mortos.  

Esse fenómeno não foi um exclusivo na Rússia de Estaline. Poucas décadas antes, o Ocidente "democrático" e o colonialismo  implementarem políticas agrícolas com monoculturas, promoveram alterações de mercado que condicionaram a vida dos camponeses indianos e chineses, e com o poder colonial inapto a gerir fenómenos de seca periódica, provocando uma onda de fome, de que resultaram mais de 60 milhões de mortos na Índia e na China ("Late Victorian Holocausts", Mike Davis). Um número mais de 12 vezes superior às vítimas da fome na Rússia.  

Apesar disso, não se vê nenhum dos honrados cronistas a rasgarem as vestes por causa destes mortos e do sistema capitalista que os condenou. 

Sobre a ideia de se "comerem criancinhas", é preciso afirmar que ela muito anterior ao início do período estalinista. É possível encontrá-la na propaganda anti-soviética, no Ocidente, nos primeiros anos da revolução bolchevique. Mas é preciso fazer notar que já existia no imaginário popular e no debate público muitas décadas antes de ter nascido o poder soviético.

No meio do século XIX,  devido a uma praga que destruiu a cultura da batata somado à inoperância das autoridades britânicas em socorrer as populações e alterar as culturas, mais de um milhão de irlandeses morreu e outro milhão foi forçado a emigrar. Nessa altura, o escritor Jonathan Swift, autor das "Viagens de Gulliver" escreveu um panfleto chamado: "Uma modesta proposta para prevenir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para as tornar benéficas para a República". 

Nesse texto de sátira, em que criticava as autoridades britânicas, sugeria-se dar as crianças dos pobres para serem abatidas e comidas. 

"Foi-me garantido por um muito sábio americano do meu conhecimento, em Londres, que uma criança jovem e saudável, bem alimentada, com um ano de idade, é do mais delicioso, o alimento

mais nutriente e completo – seja estufada, grelhada, assada, ou cozida. E não tenho qualquer dúvida de que poderá igualmente ser servida de fricassé ou num 'ragout'", notava o escritor.

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